São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Cinema nacional trata homossexual como palhaço

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

O cinema brasileiro é politicamente incorreto com seus personagens gays. Essa foi uma das conclusões da dissertação de mestrado do professor de cinema Antônio do Nascimento Moreno, 46.
Em quatro anos de pesquisa na Universidade Estadual de Campinas, Moreno fez um levantamento de 125 filmes nacionais que tivessem personagens homossexuais.
Assistiu a 67 deles e concluiu que os cineastas brasileiros fazem um retrato cruel dos gays em seus filmes. "Os homossexuais são personagens politicamente, socialmente e culturalmente alienados", afirmou.
Moreno montou um modelo de análise fílmica, com a sinopse de cada fita e a significação de gestual e interpretação dos personagens gays, registrando se as cenas são explícitas ou se induzem à caracterização do personagem.
"Tive a única preocupação com a forma com que os gays aparecem na tela em filmes produzidos no Brasil em diferentes décadas."
"Gays-clown"
As conclusões de Moreno vão além do que ele classificou como "gays-clown", ou "homopalhaços", personagens gays que integram o roteiro apenas para fazer a platéia rir.
Em linhas gerais, o protótipo do gay no cinema brasileiro, segundo a pesquisa, é de um personagem com pouca instrução, de classe social mais baixa, com fala e gestual característicos.
"Eles são desmunhecados, vestem-se com roupas espalhafatosas, usam voz de falsete, andam como manequim em passarela, têm comportamento falso e traiçoeiro e geralmente são subempregados ou marginais. Este é o estereótipo do personagem gay no cinema brasileiro", disse Moreno.
O filme mais antigo da pesquisa é de 1923, a comédia "Augusto Aníbal quer casar", de Luiz de Barros. Nele, um caipira se casa com um travesti e, quando descobre o "engano", sai em disparada.
A característica de usar personagens travestidos para fazer rir também é marcante nas chanchadas com Oscarito (décadas de 40 e 50).
"Em 'Carnaval no Fogo' (1949), Oscarito e Grande Otelo encenam 'Romeu e Julieta'. Grande Otelo interpreta a Julieta, denotando que o ato de se travestir era utilizado apenas para fazer o público rir."
Na década de 50, era das chanchadas, o próprio Oscarito aparece travestido em vários filmes, como "Carnaval Atlântida" (1952). "A platéia mais moralista podia assistir a esses filmes sem problemas."
Polêmica
Nos anos 60, filmes como "Noite Vazia", de Walter Hugo Khouri, usam mulheres em cenas de lesbianismo para agradar o público heterossexual, segundo o pesquisador.
"A cena em que Norma Bengell e Odete Lara têm que transar causou tanta polêmica que foi desaconselhada por organizadores do Festival de Cannes", afirmou.
Já os anos 70 criam um padrão agressivo e explícito de mostrar os gays nas pornochanchadas. "Nesta fase, o cinema ganhou a marca registrada de só fazer filmes de sacanagem, como 'Rainha Diaba', em que todos os personagens são gays estereotipados."
No final dos anos 80, personagens gays têm tratamento mais delicado, como nos filmes "Pixote" e "A Menina do Lado". Na década de 90, há diversidade no registro dos gays. "'Matou a Família e foi ao Cinema' avacalha o gay em uma visão moralista, enquanto 'Jenipapo' tem um tratamento mais suave."

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