São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Scola é superior a 'Mario, Maria e Mario'

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ettore Scola vem construindo sua trajetória cinematográfica por intermédio de sucessivos ensaios em torno das ilusões perdidas.
Desde seu primeiro sucesso, "Nós que nos Amávamos Tanto" (1974), o diretor italiano se especializou na recuperação nostálgica do passado e na reflexão sobre o presente em "crise".
A cena final de "Noite de Varennes" (1983) é exemplar na utilização de tal procedimento: o personagem-narrador em meio a queda do Antigo Regime acaba desembarcando em pleno século 20 e sopra as cornetas da revolução nas movimentadas ruas de Paris. Para Scola, o mergulho no passado não busca a nostalgia restauradora, pelo contrário, é ponto de passagem para a discussão crítica.
Ao empreender a montagem de seu caleidoscópio histórico, o diretor entrelaça obsessivamente quatro temas: a amizade, o desencontro amoroso, a história do cinema e a vida política. Mudam os títulos, os assuntos, a época, mas o olhar retrospectivo continua sendo a viga mestra de alguns de seus principais filmes: "Um Dia Muito Especial" (1977), "A Noite de Varennes" (1982), "O Baile" (1983), "Maccheroni" (1985) ou "Viagem do Capitão Tornado" (1990).
Scola atuou como uma espécie de herdeiro do cinema italiano, capaz de promover uma síntese entre a comédia italiana, o discurso neo-realista e a geração de Visconti, Pasolini, Antonionni e Fellini.
Porém, até mesmo para seus admiradores, fica patente que falta a Scola um grau mais elevado de originalidade e rigor formal, atributos necessários para figurar ao lado dos mestres.
Como a sua filmografia ainda é relativamente desconhecida entre nós, é enorme a frustração por parte de seus fãs quando lançam em vídeo algumas de suas obras fracassadas, caso de "O Terraço" (1979) ou este "Mario, Maria e Mario". Por que não lançar o já clássico "Nós que nos Amávamos Tanto" ou a agradável comédia "Maccherone", com Jack Lemmon e Marcello Mastroianni?
Infelizmente, "Mario, Maria e Mario" é mais um daqueles filmes medianos realizados por este cineasta acima da média. O argumento principal combina duas crises: a política e a conjugal.
Diante da falência do comunismo no leste europeu, o Partido Comunista Italiano resolve promover uma série de mudanças, a começar pelo próprio símbolo. No centro deste redemoinho reformador encontramos um casal de militantes: Mario e Maria Boshi.
Dispondo mecanicamente da dialética, tipo tese e antítese, Scola introduz na história um outro Mario que, se inicialmente é o responsável pela separação do casal, no fim, abre caminho para a reconciliação conjugal. É a hora da síntese.
O maior problema do filme está na construção esquemática dos personagens e na simplificação dos conflitos. Maria, ao se apaixonar pelo novo militante, no fundo, ama nele o que havia de melhor no antigo companheiro. Tanto o casal quanto o partido não conseguem superar as contradições e aceitar as mudanças históricas.
A reaproximação de ambos se manifesta numa cena bastante simbólica, na qual o triângulo amoroso enfrenta jovens fascistas que picham suásticas nos muros da cidade. Ou seja, as divergências internas que minavam a identidade conjugal ficam menores diante da presença de um inimigo externo comum. Segundo essa lógica, poderíamos deduzir que combater o fascismo continua sendo a única questão capaz de unir a esquerda e os casais.
"Mario, Maria e Mario" fracassa justamente quando deveria correr riscos. Scola acena com a possibilidade de se discutir simultaneamente as duas "crises" mas, tanto no que se refere ao partido quanto ao casamento, renuncia à reflexão radical e opta pelo surrado slogan da "Unità".
Vídeo: Mario, Maria Mario Direção: Ettore Scola Elenco: Enrico LoVerso, Giulio Scarpati e Valeria Cavalli Distribuição: Flashstar (tel. 011/255-9911)

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