São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Louise Bourgeois passeia pelo inusitado

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM MONTREAL

Com vernissage marcada para um gelado domingo de primavera, 28 de abril, inaugurou no Museu de Arte Contemporânea de Montreal uma surpreendente retrospectiva, que passeia pelos últimos 50 anos de trabalho de Louise Bourgeois.
Antecipando o que ficará explícito na Sala Especial reservada a Bourgeois durante a 23ª Bienal de São Paulo, a exposição canadense faz uma homenagem instigante a essa idiossincrática, produtiva e genial parisiense de 85 anos e a situa como pivô da história da arte ocidental deste século.
Intitulada "Locus da Memória - Trabalhos Recentes: 1956-96" a exposição tem assinatura competente de Paulette Gagnon, curadora do MAC de Montreal, que ampliou uma mostra realizada em 1993 no Brooklyn Museum de Nova York e deu ao conjunto da obra uma leitura de profundidade emocional inédita.
A exposição é dividida em várias salas, com diferentes ambientações. Há esculturas ainda abstratas, dos anos 40, na maioria feitas em madeira, que representam personagens que Bourgeois deixou para trás em sua vida.
"Um Cego Conduzindo um Cego", de 1947, por exemplo, se estrutura com pedaços de madeira dentados, pintados em preto e vermelho.
"Mesmo se as formas são abstratas, elas representam pessoas. Elas são delicadas, como as relações humanas. Elas se olham e se debruçam uma sobre as outras", "lê-se na parede o testemunho da artista sobre sua própria obra.
A partir daí o visitante é conduzido à evolução do trabalho dessa quixotesca contadora de histórias.
Anos 60
Na década de 60, quando, morando em Nova York, Louise Bourgeois se engajou em questões femininas, ela começou a usar bronze, látex e pedra para criar personagens sexuais e representar partes do corpo. Algumas das salas do museu mostram mãos, falos, vulvas e torsos enormes.
Essa fase do trabalho é coroada com a escultura em bronze "A Mulher Espiral", de 1984. Nela uma pequena mulher, sem braços, é pendurada do teto e amarrada com uma grossa corda.
"Ela demonstra o que é ser viúva. Ela está desorientada", a artista, sua obra em vídeo, falando de si mesma.
Séries de desenhos e aquarelas sobre papel -algumas espirais reminiscentes das que estampam os cartazes que a artista fez para a próxima Bienal de S. Paulo- ocupam outra sala. Gagnon criou ambientações com alta carga emocional, com focos de luz e "membranas" de tules, cobrindo camadas das obras. As paredes do museu, feito oratórios, são cobertas com frases da artista, enquanto três salas recebem vídeoinstalações contendo depoimentos de Bourgeois sobre sua vida, obra e, mais especificamente, sobre seus trabalhos em performance arte nos anos 70.
"She Lost It", por exemplo, mostra homens e mulheres de pé, se enrolando numa faixa de tecido com textos pintados, desenrolando assim uma narrativa no corpo. "Confession", de 1978, consiste numa mulher cantando repetidamente o refrão: "minha mãe me abandonou..."
As salas principais são dedicadas a instalações. "Células", de 1991, consta de uma série de "quartos, criados com portas, janelas e pedaços de madeira, recheados de objetos gastos e empoeirados, retirados do cotidiano -de vidros de perfume vazio a almofadas bordadas. "Quartos Vermelhos, instalações mais recentes, somam novelos de linhas, mãos e tachos de vidro vermelho, lamparinas, ferros, espelhos. Tudo parece retirado diretamente da memória vivida e composto numa quietude ritualística que lembra uma tumba egípcia.

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