São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 1996
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O Congresso e o nosso dinheiro

ALOYSIO BIONDI

Uma grande indústria de cerveja presenteou seus donos com quase R$ 500 milhões, há poucas semanas, retirados dos lucros que teve em 1995.
Uma grande indústria de celulose, matéria-prima do papel, foi no mesmo caminho: teve lucros de R$ 320 milhões em 1995 e presenteou seus donos, também em dinheiro vivo, com praticamente a metade disso, ou R$ 140 milhões.
Exemplos de generosidade semelhante podem ser encontrados no noticiário da imprensa, com as empresas distribuindo os lucros do Real sob a forma de dividendos.
Normal, dentro do capitalismo? Não. Em qualquer país capitalista, as empresas, obviamente, entregam uma parcela dos lucros a seus acionistas -mas limitada, pois têm a preocupação de reservar parcela substancial do ganho para quitar dívidas, ampliar fábricas, fazer novos investimentos.
Por que aqui é diferente? Por que as empresas podem agir de forma irresponsável? Porque têm e sempre tiveram a conivência de governos e equipes econômicas. Tanto a indústria de cerveja como os fabricantes de celulose vêm executando fantásticos planos de expansão nos últimos anos -com dinheiro de bancos governamentais.
Isto é, com nosso dinheiro (no caso dos recursos do BNDES, o dinheiro realmente pertence ao contribuinte, classe média ou povão). Um dinheiro que deveria ser utilizado para sustentar um -verdadeiro- plano de criação de empregos, emprestado a milhares de pequenas e médias empresas, e não entregue a poucos grupos empresariais para enriquecer seus proprietários.
Apenas como exemplo, para avaliar o grau de irresponsabilidade das empresas beneficiadas com empréstimos de nosso dinheiro, basta destacar um fato: os grandes lucros da indústria de celulose se deveram à disparada dos preços dessa matéria-prima e do papel de imprensa no mercado internacional, no ano passado.
Mas, desde outubro, a onda especulativa se esgotou e os preços passaram a cair violentamente. Qual seria o comportamento normal de uma empresa diante desse quadro? Utilizar os lucros para manter esse planos de expansão e como reservas para pagar seus compromissos -inclusive empréstimos dos bancos oficiais.
Por que não o faz? Porque sabe que, mais uma vez, quando a fase de "vacas magras" chegar, poderá contar com empréstimos, socorro do BNDES, o banco governamental. Nosso dinheiro.
Sempre foi assim. Isso só mudará e o capitalismo brasileiro somente se civilizará se o Congresso passar a fiscalizar e disciplinar os empréstimos dos bancos oficiais acima de determinado valor.
Sem risco
É ilimitada a conivência dos governos brasileiros com as estripulias de grandes grupos empresariais. Alguns deles, sobretudo de São Paulo, tiveram empréstimos de até centenas de milhões de dólares para crescer, a juros de pai para filho (com a correção monetária tabelada em 20% ao ano, qualquer que fosse a inflação). Apesar disso, "quebraram". Foram socorridos com novos empréstimos.
Bom exemplo
Os governos estaduais são obrigados a reservar uma fatia de sua arrecadação (já foi de 11%) para pagar suas dívidas a governo e bancos federais.
Se a arrecadação sobe, a dívida é paga mais depressa. Sistema igual deveria ser adotado para os empréstimos às empresas. Para evitar "farras". E "socorros".
Sinal amarelo
A euforia do Real levou empresas a anunciar grandes planos de expansão, construção de fábricas etc. -como se o consumo de seus produtos fosse continuar dando grandes saltos.
Sem tapete
Três empresas com posição de liderança no setor de alimentos anunciam que foram demasiado otimistas em suas previsões de aumento de verbas para 1996. Decidiram cortá-las em 25%. Um quarto.
Mais Banespas?
Com a maré vazante do Real, a equipe FHC deve rever o ritmo de liberação dos empréstimos dos bancos oficiais. Ou, logo mais, as empresas deixarão de pagá-los. Mais uma vez, nosso dinheiro terá evaporado. Os bilhões serão exigidos por operações de "socorro".
Porre
O consumo de cerveja e refrigerantes cresceu 40% no ano passado. Todas as indústrias constroem fábricas imensas, de norte a sul do país. Política prudente?
Quem te viu
Três empréstimos na faixa de US$ 300 milhões a US$ 400 milhões foram concedidos, nos últimos 20 anos, a um grupo paulista em sucessivas operações de "socorro". Hoje, seu principal executivo ocupa um posto de destaque no governo FHC. Do alto do seu cargo, claro, discursa sobre a "ineficiência das empresas estatais".

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