São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 1996
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Cegos à realidade da Justiça

PAULO MEDINA

O Judiciário não é uma ilha e os juízes não vivem distanciados da realidade brasileira. Ao contrário, todo o corpo judicante recebe o impacto diário das angústias nacionais, revelando um quadro social desalentador e, ainda, das carências do governo para prover sua reversão.
O artigo "Cegos à injustiça", publicado pela Folha e de autoria do deputado Antonio Kandir, agride a sensibilidade dos juízes como se eles carregassem os códigos debaixo dos braços e ignorassem a fisionomia de quem bate à sua porta, diariamente, pedindo justiça.
A falta de recursos -ainda tão precários- tem sido uma das causas que dificultam a modernização do Poder, sendo certo que a consignação orçamentária que se lhe destina é de apenas 1,39%. Verifica-se que o deputado não concede um só argumento de seu trabalho ao valor e ao esforço para o crescer e servir do Judiciário.
Tão só lembrou a construção da nova sede do Superior Tribunal de Justiça, que pode ensejar controvérsia e debate junto à sociedade. Omitiu a extraordinária contribuição do Superior Tribunal de Justiça para consolidar a nossa doutrina e jurisprudência, definindo interpretações modernas para o Direito, julgando de forma inexcedível no país, incorporando no seu dia-a-dia de trabalho elogiável atuar não só pelo empenho de seus ministros a par de seus avanços tecnológicos.
Omitiu o sentido jurídico-político da Justiça Federal, a ampliação da geografia para a Justiça do Trabalho, a modernização pela informática da Justiça Eleitoral. Esqueceu-se do Supremo Tribunal Federal, intérprete permanente da Constituição, que está a julgar recursos e ações de inconstitucionalidade em número sem precedente em todo o mundo.
Em verdade, as demandas que se multiplicam, de modo avassalador, decorrem, em regra, de atos do poder público violadores da legalidade e da Constituição. Recorde-se, por exemplo, das incontáveis ações revelando exercício de cidadania contra o Plano Collor, que confiscou o dinheiro do povo, violou contratos e agrediu direitos consolidados; sabe-se que os atos praticados pelo governo tinham a orientação da ministra Zélia Cardoso de Mello e de sua equipe econômica, inclusive o honrado deputado, à época prestigiado membro do governo federal.
Observe-se que o problema da lentidão é o aspecto mais dramático da Justiça brasileira, sendo necessário enfrentá-lo com bastante coragem. É necessário reduzir os recursos, incidentes e formalismo processuais.
É necessário à administração pública aplicar nos seus relacionamentos com os servidores e contribuintes, os segurados da Previdência Social, as reiteradas decisões dos tribunais superiores e locais e, sobretudo, do Supremo Tribunal Federal.
O descumprimento de precatórios da reforma agrária, que teima em não avançar, não decorre de omissão ou ineficiência do Judiciário. O Judiciário não formula políticas, não legisla. Está a julgar, buscando, pelo esforço enorme de seus juízes, cumprir o seu dever com a sociedade e o país.
Reduzir-lhe dotações orçamentárias significa amesquinhar a Justiça no Brasil. Afirme-se ainda que a impunidade não resulta de atos dos juízes ou tribunais, mas sim de fatores estranhos à magistratura.
Todos -Legislativo, Executivo e Judiciário- queremos que nossa Justiça continue melhorando e afirmando a qualidade de sua prestação jurisdicional. A nossa Justiça tem muito a fazer para dar resposta à expectativa da sociedade.
Ressalte-se, desde já, a implementação dos juizados especiais. Todos precisamos -legisladores e juízes- agir com serena objetividade. O mandato maior a ser cumprido: não fraturar a espinha do Judiciário. Hoje, depois de tantas lutas, logrou sua independência das paróquias políticas. Tem ótimos juízes, honrados, estudiosos, independentes e trabalhadores dedicados à missão de servir.
Não criem constrangimentos à magistratura. Queremos dos legisladores novas leis, especialmente, processuais, e isso não depende de nós, os juízes. Queremos modernizar o Judiciário -e isso depende de recursos orçamentários- a fim de atender com eficiência à sociedade brasileira.
Cegos à injustiça, portanto, estão aqueles que, em vez de se empenharem pela modernização do Poder Judiciário, utilizando-se de argumentos falaciosos querem afrontar a Justiça no Brasil.

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