São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 1996
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Política econômica: mais arte do que ciência

MAILSON DA NÓBREGA

No curto espaço de um mês, a política econômica foi ameaçada por alguns fatos graves. Primeiro, foi o ato solitário de um ministro do Supremo, que paralisou o processo de reformas no Congresso.
Logo após derrubada a liminar, a Câmara aumentou em até 85% seu pessoal, sem ligar para a situação do Tesouro.
Como que em resposta à generosidade parlamentar, os eletricitários invadiram estações de energia. Em Brasília, funcionários públicos cercaram o ministro da Fazenda em seu gabinete, afrontando a ordem pública e a democracia.
É duro fazer política econômica nesse ambiente. É verdade que os fracassos do passado derivaram, em parte, da insuficiência do diagnóstico e de erros de execução.
Muito, todavia, decorreu da ausência de adequadas condições institucionais e de fatos como esses.
Os fracassos legaram, felizmente, valiosas lições. Aprendemos que a política fiscal é central em qualquer esforço de estabilização e que o congelamento de preços não é saída para a inércia inflacionária.
A maioria acabou entendendo que o Estado burocrático e intervencionista já deu o que tinha de dar e agora não passa de um estorvo à modernização, à estabilidade e ao crescimento.
Infelizmente, apenas uma minoria percebeu que a vergonhosa concentração de renda tem muito a ver com a inflação e com o agora defunto nacional-desenvolvimentismo, especialmente suas políticas agrícolas e industrial.
Ainda que essas políticas tenham contribuído para a formação de uma agricultura diversificada e de uma indústria complexa e integrada, o certo é que seus resultados privilegiaram grupos minoritários da sociedade.
O trágico é que a desinformação e o populismo fizeram com que políticas ditas sociais terminassem por agravar a desigualdade. A Constituição de 1988 é o maior monumento a essa estultice.
A ampliação das "conquistas sociais" e dos "direitos" trabalhistas por meio de mais intervenção é um bom exemplo.
O trabalho informal saltou de 38% para 57% de 1988 para cá, aumentando, ao invés de diminuir, o contingente dos desprotegidos.
Com a Constituição de 1988, a Justiça e o Legislativo ganharam (como era preciso) mais poder. Entretanto, não se tornaram mais eficientes nem adquiriram responsabilidade social ("accountability", como se diz em inglês).
O gasto público foi engessado. O Brasil tem a maior vinculação de receitas do planeta. Mais de 90% da arrecadação se destina a gastos predeterminados.
A partir de 1988, o Brasil se tornou caso raro onde o Judiciário e o Legislativo têm autonomia para fixar seus próprios salários. Isso deu lugar, como se tem visto amiúde, à prodigalidade com o dinheiro dos contribuintes.
Formular e implementar políticas públicas -nesse atoleiro de regulações rígidas, irresponsabilidade e falta de um regime fiscal saudável- é quase impossível.
Qualquer plano de estabilização no Brasil é, assim, pleno de inconsistências.
O Plano Real, como qualquer analista sabe, fracassará se continuar baseando-se apenas no câmbio, nas restrições creditícias e nos juros altos.
Política econômica é mais arte do que ciência em qualquer lugar. Sem instrumentos, como aqui, é mais ainda.
Arte foi conseguir, como no caso da URV, um truque que gerasse a estabilidade monetária, ainda que temporária.
Por meio desta, pôde-se obter apoio social às reformas e daí recuperar os instrumentos, construindo-se paulatinamente a consistência.
Arte é também conduzir a transição com uma quantidade limitada de meios, enfrentando ainda os problemas derivados da quebra da Previdência e do esbanjamento de Estados e municípios.
Arte tem sido, sobretudo depois de 88, gerir um Orçamento onde a margem de manobra é mínima e as pressões, máximas.
Nesse clima poluído, os efeitos dos erros são amplificados. Este governo não tem escapado deles. Exemplos: a forma como se introduziu a banda cambial e o aumento recente dos combustíveis.
O governo está aí para ser criticado. É do jogo. Espera-se que saiba reagir à crítica -à justa e à injusta- e que tenha muita arte até chegarem as reformas.

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