São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 1996
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Globalização e direitos humanos

JOSÉ SARNEY

"Aqui e lá, mais fadas há" era o velho brocardo português que já previa a "globalização", que é a "big word" do mundo. Não encontro a mesma confiança quanto ao caminho de uma comunidade internacional cada vez mais estreita e de padrões comuns éticos.
Na verdade, fica cada vez mais claro que o fenômeno da globalização é o avanço das comunicações que possibilitou a universalização do mercado financeiro, que, hoje, circula como uma bomba -20 vezes maior do que a economia real-, e não se sabe o que pode acontecer.
Já aconteceu no México, o que foi previsto por Paul Krugman, que agora publicou um livro que é bom ser lido no Brasil: "O Internacionalismo Pop".
É bom separar os ideais comuns da humanidade que necessitam ser acatados em todos os cantos da Terra e que dizem respeito aos direitos humanos e o que significa impor aos países políticas macroeconômicas globais que certamente interessam prioritariamente aos países ricos e à sua segurança econômica, influência e domínio de mercado.
A globalização é, portanto, uma aspiração econômica, mas é um projeto político, que passa pela democracia, porque só é possível liberdade econômica onde existe liberdade política.
Foi o presidente Jimmy Carter, dos EUA, quem agitou essa cruzada mundial, o respeito aos direitos humanos, como uma causa quase que religiosa e que devia presidir as relações internacionais. Àquela época, o Brasil, invocando soberania nacional, teve um atrito sério, que motivou o rompimento do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos.
Quando fui presidente, tive a feliz oportunidade de subscrever, em nome do Brasil, o Tratado de São José, contra a tortura, a crueldade e toda sorte de violência contra seres humanos.
O primeiro passo da globalização deve ser a retomada daquela cruzada mundial pelo respeito aos direitos humanos, não só a violência institucional, essa que vem do Estado, mas a violência prática cotidiana.
O Brasil, nesse aspecto, se melhora quanto à postura do Estado, como mostra o "Programa Nacional de Direitos Humanos", do presidente Fernando Henrique, em tão boa hora lançado, piora na outra violência, do homem contra o homem, do crime organizado, da prostituição infantil, da fome e das doenças, degradantes formas de violência, porque resultado de um processo social injusto, o desamparo contra as drogas, enfim, a paisagem desse mundo sombrio da marginalização e da desesperança.
Temos que desarmar o Brasil, coibir a liberalidade da venda de armas, a exposição da violência por todos os meios, evitando a sua legitimação como um fenômeno normal dentro da sociedade.
A violência do Estado se resolve por leis e tratados, pela consciência de que é uma causa transnacional, sem conhecer fronteiras nem barreiras de direito internacional. A violência individual só se resolve pela mudança interior do próprio homem, tarefa das religiões e da educação moral.
Essa é a primeira causa a ser globalizada. Antes das políticas macroeconômicas...

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