São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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PFL contra PFL

CELSO PINTO

O governo está disposto a usar seus aliados do PFL no Congresso para limpar do corporativismo os projetos de regulamentação da privatização dos setores elétrico e de petróleo. Detalhe: os projetos saíram do Ministério das Minas e Energia, comandado por Raimundo Brito, do PFL.
O anteprojeto de lei que institui a Agência Nacional do Petróleo, enviado por Brito à Presidência, foi para o lixo. "Mandei rasgar a primeira tentativa", disse o presidente Fernando Henrique Cardoso a um interlocutor.
O presidente, nesse caso, concorda inteiramente com os críticos. "O Raimundo (Brito) é prisioneiro da Petrobrás", definiu Cardoso nessa mesma conversa.
Para evitar que um novo projeto seja tão corporativo quanto o primeiro, o presidente vai mudar de tática. Vai pedir ao Congresso que faça um projeto para o setor.
Quanto ao projeto para o setor elétrico, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o governo conta com o relator, José Carlos Aleluia (PFL-BA), para reescrevê-lo. Como está, a Aneel preserva o poder e a influência do atual Dnaee, apenas transformando-o numa autarquia.
O presidente disse a dois interlocutores que é a favor de uma real independência das agências que regularão os setores privatizados -o que inclui, também, o de telecomunicações. O projeto para a regulamentação da agência para as telecomunicações, contudo, só deverá ser encaminhado no segundo semestre.
Desde que surgiram, os projetos para os setores elétrico e de petróleo sofreram intenso tiroteio. Além de levar muito tempo para dar sentido prático às mudanças constitucionais aprovadas no ano passado, o Ministério das Minas e Energia foi acusado, inclusive dentro do PFL, de ter cedido inteiramente às pressões corporativistas.
O cientista político Sérgio Abranches, que participou de um almoço com o presidente, observou a ele que a Aneel, sem trocadilhos, acabava sendo uma maneira de preservar o poder dos "anéis burocráticos" do Estado -um conceito desenvolvido pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
O BNDES acha os dois projetos um desastre.
Os órgãos reguladores são vitais para as privatizações e as concessões. Se sua estrutura for, de fato, independente, quem comprar uma empresa do setor elétrico, por exemplo, poderá ter mais confiança nas regras para as tarifas -e aceitará pagar mais pela estatal.
O BNDES definiu, para a Light, um modelo sensato, que valerá para o setor: o do "price cap". A regra para as tarifas vale por um certo período: pode prever reajustes iguais, superiores ou inferiores à inflação. Ao final do período, baseado nas condições do setor, nas inovações e no desempenho, fixa-se uma regra para o período seguinte.
A regra funciona bem em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Permite ao regulador repassar aos consumidores ganhos de produtividade, e estimula as empresas a obtê-los, já que elas embolsam o que superar o previsto.
No Brasil, a regra ficou pendurada na definição do órgão regulador. Se ele for apenas um departamento, ainda que disfarçado, de um ministério, poderá prevalecer o interesse político de segurar as tarifas para maquiar a inflação. É um risco que tem um preço.
O projeto da Aneel, que preserva o poder da burocracia, já causou um prejuízo. A idéia original para a Light era fixar regra para as tarifas válida por cinco anos. Nos primeiros cinco anos as tarifas acompanhariam a inflação. Dada a incerteza gerada pela Aneel e a relutância inicial dos compradores, o período de fixação das tarifas foi esticado para oito anos.
Resolver a questão dos órgãos reguladores seria uma forma de ativar o governo numa área em que tem sido muito criticado, a da privatização. Muitos têm aconselhado o presidente a concentrar-se em áreas concretas, como essa. Pelo que se sabe, foi uma das observações feitas pelo deputado Delfim Netto no jantar que teve com o presidente, quinta-feira.
Delfim fez outra sugestão: que o governo abandonasse a ambição contida no projeto de reforma administrativa e se concentrasse em uma só medida. Fixar uma regra dizendo que, sempre que a despesa com pessoal superasse o limite de 60% da receita líquida (lei Camata), o Executivo teria liberdade para enxugar sua folha.

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