São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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Reforma escatológica

OSIRIS LOPES FILHO

Brasileiro, profissão esperança. Penso que é uma frase de autoria do Millôr Fernandes, que sintetiza o estado de espírito crítico do nosso povo. Vive-se permanentemente num ambiente restritivo e desfavorável, mas sempre se espera por dias melhores.
Essa frase do Millôr vem-me à lembrança, em face das declarações de diversas autoridades federais, de que estaria em gestação um programa de desligamento voluntário dirigido especificamente aos servidores federais.
Boas idéias têm chances de emplacar. Bons exemplos são melhores. Dão sentido prático às concepções teóricas. Servem como modelo de ação.
Minha esperança e dos funcionários (e do presidente FHC, por certo, e do povo brasileiro, por que não?) é a de que o secretário de Administração e da Reforma do Estado, Bresser Pereira, dê o bom exemplo, na implantação do programa de desligamento voluntário, e caia fora do governo.
Tudo indica que vá ocorrer esse excelente exemplo. A anterior experiência de desligamento de Bresser Pereira do Pão de Açúcar foi promissora em termos pessoais.
A sua saída vai-lhe proporcionar o retorno à iniciativa privada, que tanto o encanta nas suas formulações. E o livra de um ambiente hostil, carregado de greves, insatisfações e ocupações de prédios públicos por funcionários.
Melhor ainda, lhe aliviará do papel de trapalhão, coveiro da administração pública deste país e castrador eugênico dos funcionários públicos.
O fato político que advirá de uma retirada desse porte é auspicioso. O presidente FHC poderá exorcizar o projeto de reforma administrativa e do Estado, encaminhado ao Congresso, que vai tendo uma tramitação dificultosa, em face da indigência técnica do seu conteúdo.
É de se convir que propor extinção da estabilidade, relativização do concurso público, como forma de ingresso no serviço público, e fixação de um novo teto de vencimentos para os servidores, quando a Constituição já o estabeleceu, é muito pouco para que se lhes dê ênfase de pontos essenciais, do que se chamou pomposamente "reforma da administração e do Estado".
Essa proposta de reforma situa-se no campo científico da escatologia. Pragmaticamente, para que apresentasse algum resultado positivo em face de seu conteúdo, dependeria de deixá-la em repouso, por algum tempo, para fermentar, e no final do processo estivesse reciclada, convertendo-se em adubo orgânico.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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