São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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As licitações e o falso moralismo

PAULO GODOY

Governadores e prefeitos dos diversos partidos e o conjunto dos dirigentes de órgãos da administração direta e indireta, federal, estaduais e municipais, são praticamente unânimes nas críticas à Lei de Licitações em vigor, a nº 8.666, e reivindicam ou alterações sensíveis e rápidas que lhes permitam contornar os problemas criados por ela, ou já uma nova lei.
As alterações constam de projeto já quase pronto do Ministério da Administração e Reforma do Estado, num trabalho sério e paciente de avaliação dos problemas e de ampla consulta às três esferas do governo, ao Legislativo e às entidades representativas de construtores e fornecedores em geral.
Ao longo de quase três anos de aplicação, de um lado a lei frustrou os que ingenuamente pensavam que bastaria um diploma legal (extensíssimo e detalhado) para acabar com as irregularidades existentes em concorrências públicas (como se isso não fosse, e continue sendo, consequência sobretudo do gigantismo estatal e de sua teia de relações com interesses cartoriais e corporativos).
De outro lado, a abrangência da lei nº 8.666, que envolve desde os megacontratos de infra-estrutura até pequenas e corriqueiras compras de uma repartição qualquer; a sua generalização de valores e procedimentos -que despreza realidades econômicas e regionais distintas- e o absurdo detalhismo de seus 125 artigos e 227 parágrafos implicaram o engessamento da administração direta e indireta, retardando ou até impedindo contratos essenciais.
Esse detalhismo gera também controvérsias de interpretação administrativa e legal, que alimentam uma verdadeira indústria de impugnações, de recursos e de denuncismo abusivo que, na maioria das vezes, se presta ao favorecimento de empresas não-qualificadas nas licitações.
Dois efeitos desse clima, já condenado pelo próprio presidente Fernando Henrique Cardoso: inibe-se o lançamento de novas concorrências (com reflexos negativos não só no mercado da construção mas também nas encomendas de equipamentos) e expõe-se as empresas privadas que delas participem à generalização das denúncias de irregularidades.
Cabe lembrar que as controvérsias em torno da lei nº 8.666 surgiram logo quando ela foi sancionada pelo ex-presidente Itamar Franco com vetos (até hoje não apreciados pelo Congresso) que a tornaram contraditória num aspecto importante -a comprovação da experiência técnica das empresas. E que trocaram a objetividade essencial no julgamento de preços inexequíveis por critérios subjetivos que consagram a despreocupação com os resultados concretos dos investimentos públicos.
Além de sérios prejuízos para as atividades regulares dos órgãos públicos, o engessamento da Lei de Licitações agravou a queda de investimentos em obras nos últimos anos, contribuindo para o aumento do desemprego no setor.
Mas a lei nº 8.666 não se caracteriza apenas pela excessiva abrangência e pelo detalhismo burocratizante. No campo da engenharia, ao lado desses vícios ela se situa na contramão dos processos de desenvolvimento tecnológico e aumento de produtividade e qualidade.
Ela privilegia o critério de menor preço absoluto em prejuízo da garantia de serviços bem executados, e favorece os chamados atestados de profissional em detrimento da experiência técnica e gerencial das empresas. Com o que abre espaço para o leilão dos referidos atestados e para aventureiros que contratam obras a preços vis que, depois, ou serão interrompidas ou ganharão um sobrepreço sigiloso e irregular. Tudo isso sob a capa da falsa moralização do menor preço, que termina custando muito mais ao contratante e à sociedade.
Foi com a bandeira dessa falsa moralização que um grupo minoritário do nosso setor de obras públicas, há muito numa guerra corporativista contra as mudanças indispensáveis na Lei de Licitações, partiu de repente, dias atrás, para violentos ataques ao projeto do Ministério da Administração, insinuando que ao simplificar a lei nº 8.666 ele propiciará o "dirigismo das concorrências" e até "a volta das caixinhas eleitorais".
Bobagem completa. É com menos, e não com mais regulamentação estatal, e por meio de concorrências transparentes que combinem a variável de preço justo com as de capacidade e garantia empresariais de boa execução dos contratos, que o poder público poderá aplicar seus recursos de forma ética e com os melhores resultados.

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