São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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'Cessar-fogo é uma discussão secundária'

IGOR GIELOW
DO ENVIADO ESPECIAL

Leia a seguir a entrevista com o líder republicano Gerry Adams.

Folha - Como o sr. vê o atual estágio do processo de paz na Irlanda do Norte?
Gerry Adams - Não vejo com muita clareza, porque Londres não deixa. O fato é que nós temos uma situação difícil, na qual o governo britânico não quer nos deixar participar das conversas entre todos os partidos.
Ao mesmo tempo, sabe que sem a nossa presença não há legitimidade no processo porque representamos o desejo mais claro dos moradores nacionalistas daqui.
Folha - Mas os unionistas são maioria populacional e política...
Adams - Numa faixa territorial cortada artificialmente. A maioria do povo irlandês é nacionalista e católica, o que não quer dizer discriminação contra os protestantes, de forma alguma.
Folha - O governo britânico diz que só deixa o Sinn Fein entrar na negociação de paz se o IRA parar suas atividades. Estamos a duas semanas da eleição -como fica a situação do partido?
Adams - De fato, é uma obstrução injustificável. Não queremos nenhuma condição do governo inglês. Não exigimos absolutamente nada, só participar.
Estou aborrecido com toda essa história de cessar-fogo para falar de paz. Óbvio que queremos participar das conversações de paz, mas sem nenhuma condição envolvendo o IRA.
Folha - A relação com o IRA permite controle sobre uma trégua?
Adams - O IRA não é o Sinn Fein nem vice-versa. O cessar-fogo é uma discussão secundária, não interessa para a discussão atual.
Folha - Caso ocorra o cessar-fogo, ou qualquer arranjo que permita a participação do Sinn Fein no fórum de debates, o sr. acha que há chances para a paz na região?
Adams - Estou convencido de que esta é a maior chance até agora. Não quero ver a oportunidade de alcançar um novo status de negociação para a Irlanda do Norte jogada fora.
Acho que é histórico o fato de poder sentar à mesa de forma objetiva e com todos os envolvidos.
Folha - Mesmo com os protestantes mais radicais, como os liderados pelo pastor Ian Paisley, que pregam superioridade britânica?
Adams - Sim. Só não sei se eles vão querer sentar à mesa (risos). A negociação é democrática.
Folha - E a posição dos partidos unionistas?
Adams - O jogo atual mostra a fragilidade deles. Não foram capazes de se articular. Agora, estão vendo Londres emitir sinais para nós pedindo para negociar.
Folha - Esses sinais são claros? Como a devolução de prisioneiros do IRA às prisões da Irlanda do Norte e o artigo de Major (publicado na quinta-feira passada no "Irish Times", admitindo discutir deposição de armas mais tarde) influem na discussão?
Adams - É efetivamente a indicação de uma mudança positiva, mas não é clara sobre prazos e ambígua sobre objetivos.
Continuamos com nossos prisioneiros políticos sofrendo e, repito, vemos os ingleses confundirem a negociação.
Folha - O sr. acha que, em um ano, a paz estará mais próxima?
Adams - Não sei se em um ano, mas com certeza vamos viver a paz aqui. É para isso que trabalhamos.

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