São Paulo, domingo, 19 de maio de 1996
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A ignorância faz mal para a cabeça

GILBERTO DIMENSTEIN

Professor da Escola Paulista de Medicina, o psiquiatra Jair Mari descobriu como ignorância e preconceito produzem desespero.
Por falta de informação, pessoas se envenenam, cortam os pulsos, dão tiro na cabeça, afundam-se em drogas ou bebida, perdem o emprego, destroem a vida familiar. Tudo porque estão deprimidas.
Mas elas não sabem que estão deprimidas, nem que depressão tem cura -uma cura cada vez mais fácil e, até mesmo, barata. É comum os pais sequer desconfiarem do estado psicológico dos filhos suicidas.
Jair acaba de participar de uma pesquisa estimando que 10% dos brasileiros sofrem, pelo menos uma vez na vida, crise de depressão. "A imensa maioria não conhece os sintomas e não busca ajuda", diz.
O que acontece com a depressão se aplica a outros desequilíbrios, como a ansiedade, que atormentam desnecessariamente um indivíduo.
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Um movimento nos EUA dá um tremendo exemplo e mereceria ser seguido pelo Brasil: desde 1993, a Associação Nacional de Saúde Mental resolveu fazer estardalhaço educativo.
Usa os meios de comunicação para informar que depressão é doença como gastrite ou rinite, ensinando a detectar os sintomas.
O resultado é que cada vez mais gente - e até gente famosa - se dispõe a vir a público e dizer como se sente, desfazendo o preconceito. "Os americanos estão percebendo que distúrbio mental não é um problema de falha de caráter, mas uma doença", constata o psicanalista Contardo Calligaris, professor na New School, em NY, e em Berkeley, na Califórnia.
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Pesquisas indicam: pelo menos 40 milhões de norte-americanos necessitariam de algum tratamento psiquiátrico. Deste total, 24 milhões sofreriam os efeitos da ansiedade e 17 milhões da depressão.
Apenas com a depressão, o custo anual com remédios e outros tratamentos chega a US$ 40 bilhões.
E os custos tendem a aumentar porque aumenta o número de deprimidos no país, especialmente entre os jovens, com taxas de suicídio crescentes.
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Os rápidos avanços da ciência criam um encantamento quase religioso com as pílulas, em especial o Prozac, receitado até para tensão pré-menstrual e compulsão alimentar.
Há depoimentos de religiosos dizendo que, com Prozac, ficaram "mais perto de Deus".
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Um dos dez remédios mais vendidos no mundo, o Prozac arrecada US$ 2 bilhões por ano. Só aqui nos EUA são 12 milhões de consumidores.
Segundo cálculos de analistas econômicos, no ano 2000 o faturamento dos produtores deste remédio vai chegar aos US$ 4 bilhões.
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Consequência da maior conscientização acerca dos problemas mentais nos EUA é o movimento crescente para os planos de saúde assumirem os gastos com tratamento de depressão ou ansiedade. Nada mais justo.
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A maioria dos psiquiatras acha que essas pílulas funcionam, sobretudo se acompanhadas de terapia. O resultado é positivo em 80% dos pacientes.
Mas nem tudo é perfeito. Na semana passada, em Nova York, um congresso de psiquiatria ressaltou um efeito colateral: redução da atividade sexual.
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A imprensa brasileira reflete o preconceito arraigado em nossa sociedade contra desequilíbrios mentais. Não são poucos os homens públicos que sofrem distúrbios e ainda não sabemos como -ou se- expomos o problema.
Um caso famoso foi Ulysses Guimarães, obrigado a tomar remédios para não mergulhar em crises. A imprensa de Brasília tratava o caso como tabu.
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O Congresso acaba de mostrar como é capaz de deprimir qualquer brasileiro com saúde mental de ferro -e o presidente Fernando Henrique Cardoso entrou na dança.
Os lobbies empresariais e de governadores, incansáveis salvadores de bancos estaduais, não descobriram a sutil diferença entre chantagem e negociação.
Incrível a sem-cerimônia com que manipulam bilhões de dólares para salvar pobres bancos, desamparados ruralistas e inocentes empreiteiros. E depois ainda afirmam não ter dinheiro para reduzir a mortalidade infantil ou melhorar o ensino básico.
Só para o Banespa vão US$ 7 bilhões do Tesouro. Eles cometem o crime e o contribuinte é castigado.
Quem nunca teve conta no Banespa vai pagar um pedaço desta conta, numa espécie de depósito compulsório.
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Vivi uma experiência deliciosa em Nova York. Estava no setor de CDs clássicos da Tower Records, na Broadway, que é do tamanho de um campo de futebol.
Tocava um solo de violino que eletrizou os potenciais compradores. Impressionados com a beleza da melodia, foram todos, ao mesmo tempo, descobrir de quem era a música.
Essa música é de derreter asfalto. Trata-se de "Le Chant du Hibou", executada pelo violinista Giuseppe Magani, dirigido pelo maestro Léo Ferré, com a Orquestra Sinfônica de Milão. É a segunda faixa do recém lançado CD "Concerto Pour La Main Gauche".
Vale por um Prozac, sem aquele efeito colateral.
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PS - O clima de guerra civil não declarada, em São Paulo, pode ser medido por uma resposta da editora Miriam Goldfeder, na semana passada, em visita a Manhattan. Perguntei-lhe o que mais estava gostando: "Poder andar na rua sem sentir medo".

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Fax (001-212) 873-1045

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