São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Para prefeito de Córdoba, descentralização é a saída

LUIZ ANTONIO CINTRA
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Uma cidade do tamanho de São Paulo só pode ser administrada com a descentralização do poder local. Isso significa dar a maior autonomia possível às comunidades de bairros e às administrações regionais, avalia o prefeito da cidade argentina de Córdoba, Ruben Marti, 55.
Fundada em 1753, a cidade tem hoje 1,3 milhão de habitantes. Marti, atualmente em seu segundo mandato, é prefeito desde 1992.
"Descentralizar a administração foi o que fizemos. Democratizamos as 350 comunidades de bairro, fazendo com que os seus representantes fossem eleitos por votação, da qual podem participar todos os moradores."
Falando de São Paulo, Marti criticou a proibição do prefeito Paulo Maluf de fumar nos bares e restaurantes da cidade. "Maluf atentou contra a liberdade dos cidadãos."
Em sua visita a Salvador (BA), onde participou do Cideu -seminário que reuniu prefeitos de países ibero-americanos-, Marti falou à Folha.
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Folha - O que a prefeitura está fazendo em Córdoba?
Ruben Marti - A experiência que trouxemos para o Cideu foi a participação da comunidade para resolver os problemas de saneamento da cidade. A novidade é que na cidade de Córdoba a comunidade se organizou em centros comunitários, que construíram cerca de 12 milhões de metros de gás natural. Esses centros reúnem 85% da população de Córdoba.
Eles fizeram também um sistema de esgoto que beneficiou cerca de 400 mil pessoas, por meio de mutirões, e também estão construindo calçadas nas vias públicas.
Folha - Como funcionam esses centros comunitários?
Marti - Os centros se organizam em torno de alguns projetos. Fixam as principais prioridades de seus bairros e, com o apoio técnico da prefeitura, fazem um orçamento de quanto vai ser gasto. Já com o orçamento, optam se vão fazer uma licitação ou vão fazer eles mesmos as obras. Depois, o custo é dividido entre todos.
Folha - E qual a participação da administração municipal?
Marti - A prefeitura fica encarregada de fiscalizar as obras que estão sendo levadas adiante. Controlamos, por exemplo, a qualidade do material usado e indicamos empresas para tocar os projetos, quando somos solicitados.
Também democratizamos os centros. Antes, apenas alguns sócios participavam da eleição de seus representantes. Agora todos os moradores têm direito de votar.
Folha - E a prefeitura não entra com recursos para as obras?
Marti - Entra com muito pouco. Os moradores dos bairros pagam as obras que passam em frente de suas casas, as obras que eles vêem. Isso é importante, porque essas obras eles querem pagar, e em outros casos, não. Os centros comunitários dos bairros mais pobres também dividem os custos das obras com a igreja do bairro, com as escolas. Nesses casos, a prefeitura entra com o material e os moradores fazem o resto.
No primeiro ano, o morador fica isento dos impostos pelo uso do esgoto. Fazemos isso para que eles se acostumem a usar o sistema, já que eles sempre usaram fossas.
Folha - O sr. poderia dar um exemplo de algum projeto que criou e não deu certo?
Marti - Um que não funcionou como eu esperava foi a semaforização inteligente (computadores e câmaras de TV que regulam os semáforos da cidade). As pessoas não entendem como funciona esse sistema, que começou na cidade há dois meses. Reclamam porque às vezes precisam esperar mais tempo em um semáforo.
Folha - O sr. vê algum efeito negativo da globalização da economia sobre Córdoba?
Marti - Estamos tendo alguns problemas com o Mercosul, especialmente com relação às exportações de autopeças para o Brasil. Isso acaba afetando o nível de emprego na cidade. Nosso maior problema é que a mão-de-obra argentina é mais cara do que a brasileira.
Folha - A prefeitura pode fazer algo contra o desemprego?
Marti - A prefeitura deve servir de geradora de oportunidades para que o capital privado se instale na cidade e gere mais empregos.
Folha - Quanto a prefeitura investiu no ano passado em saúde, educação e assistência social?
Marti - O Orçamento de Córdoba em 95 foi de US$ 4 milhões, sendo que, desse total, os gastos com saúde, educação e assistência social somaram 40%.
Folha - E quanto foi gasto com os salários dos funcionários?
Marti - Com os salários gastamos cerca de 42% do Orçamento. Empregamos 7.000 pessoas. Córdoba é a cidade latino-americana que tem o menor número de funcionários por habitante. Buenos Aires, com cerca de 3 milhões de habitantes, tem 100 mil funcionários.
Folha - A prefeitura paga bem?
Marti - O salário médio dos funcionários é de US$ 1.500. Um médico da prefeitura começa ganhando US$ 2.500, e um professor, US$ 1.500. O salário do prefeito é US$ 7.500.
Folha - Córdoba conta com algum tipo de ajuda internacional?
Marti - Há pouco tempo o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) aprovou um empréstimo para Córdoba de US$ 100 milhões. Com o Banco Mundial conseguimos um crédito de US$ 40 milhões, que usamos desde 92. Cerca de 25% do Orçamento da cidade vem de um fundo com recursos estaduais e federais. Recebemos mensalmente US$ 7 milhões.
Folha - O que o sr. considera ser o maior problema de Córdoba hoje?
Marti - A água potável. O governo estadual quer privatizar a empresa encarregada de fazer a distribuição da água na cidade. Nós queremos que a administração municipal fique com essa empresa, mas isso vai custar muito caro.
Folha - Qual a prioridade da sua administração?
Marti - O maior problema de Córdoba, além do tratamento de água, é aumentar o número de casas para as famílias mais jovens.
Folha - O sr. já esteve em São Paulo? O que achou da cidade?
Marti - São Paulo é uma cidade que precisa urgentemente ser descentralizada. É impossível uma pessoa administrar uma cidade de quase 20 milhões de habitantes.
Deveria também ser feito um plano diretor para tornar a cidade funcionalmente equilibrada, competitiva, com qualidade ambiental e solidária.
Folha - O prefeito Paulo Maluf proibiu o fumo em bares e restaurantes. O que o sr. acha?
Marti - O prefeito se enganou. Maluf atentou contra a liberdade dos cidadãos. Em Córdoba, proibimos a bebida nas ruas depois das 23h, mas é permitido beber nos bares e restaurantes.

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