São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Um imenso Portugal

JOÃO SAYAD

Os portugueses são muito hospitaleiros. Em Lisboa, em cada vez que entrávamos numa rua diferente havia uma nova surpresa. Virando aqui, estávamos em Santos; subindo a ladeira, parecia Ouro Preto; a rua cheia de árvores lembrava o bairro de Laranjeiras, no Rio. Muitas ruas brasileiras começam em Portugal.
Quem conhece o Brasil entende bem Portugal. Os portugueses não entendem necessariamente o Brasil.
Portugal não tem turcos, negros, italianos ou japoneses. Nem as favelas penduradas nos morros e pobres vendendo Mentex nas esquinas.
Portugal almeja ser a Europa. As ruas mais bonitas parecem bulevares, e até as placas da nova auto-estrada são idênticas às francesas. Nós fomos portugueses, mas agora sonhamos com a América.
Depois da queda de Salazar, Portugal experimentou o socialismo, espremido num canto da Península Ibérica. Os muros foram pichados, as ruas ficaram sujas e desistiram. O governo social-democrata adotou as reformas econômicas da nossa época e foi adotado pela Comunidade Econômica Européia. Grandes investimentos em infra-estrutura, privatização, novos sistemas de telecomunicação e rápido crescimento. Cresceram rápido, ficaram bonitos e pararam.
Aos olhos dos brasileiros, Portugal parece a Suíça -lindo, calmo, rico e de crescimento muito baixo. Uma população de 10 milhões de habitantes e um produto nacional de uma centena de bilhões de dólares, ambos crescendo lentamente.
Tem 8% de desempregados, número que não cresce. Mas não vi nenhum mendigo em Lisboa. Os portugueses desempregados estão no interior ou emigraram para a França, para o Brasil e para os Estados Unidos já faz muito tempo.
Os investidores internacionais, inclusive os portugueses, por causa da falta de crescimento da economia portuguesa, olham avidamente para as possibilidades de ganho nos mercados emergentes.
Imaginam que, como no período do pós-guerra, o Brasil, os países do Leste Europeu e do Sudeste da Ásia vão crescer rapidamente e grandes lucros podem ser feitos. Quem comprou ações japonesas em 1950 ou ações coreanas em 1970 ficou rico e, agora, quer comprar ações brasileiras.
Não sei se estão certos.
Em primeiro lugar, porque no pós-guerra havia o Plano Marshall, o planejamento indicativo, taxas de juros baixas e investimentos que geravam ganhos de produtividade, mais empregos, mais demanda agregada e alguma inflação nos Estados Unidos, nenhuma no Portugal de Salazar e uma inflação latina nas ex-colônias ibéricas aqui da América.
O Brasil cresceu bem nesse período, à velocidade média de 5% ou 6% ao ano, mesmo se considerarmos os dez anos de estagnação. As ações brasileiras deram bom lucro para quem comprou em 60 e vendeu em 71.
Depois dos anos 80, as taxas de juros ficaram muito altas e os investimentos geraram ganhos imensos de produtividade, muito desemprego e nenhuma inflação.
Em segundo lugar porque, diferentemente de Portugal, o Brasil e muitos países onde estão os mercados emergentes passaram a se integrar ao mercado internacional com um saldo de problemas e desvantagens que só tendem a se agravar.
Se a nova fase não aumenta o emprego, o que vamos fazer com os desempregados de sempre e os novos desempregados? Será que nossos mendigos e desempregados também serão invisíveis, como na Europa?
Nos jornais das semanas passadas, apareceram muitas análises dos desafios que o Plano Real enfrenta. O famoso déficit público aparece em primeiro lugar (a Europa tem um belo déficit público).
Para quem se preocupa, o governo e os melhores analistas descartam o problema para 1996, quando parece que vamos ter um bom decréscimo do déficit, com juros menores e reservas crescendo mais lentamente.
O balanço comercial -este, sim, um problema verdadeiro- parece que vai bem pelas razões erradas: com crescimento de 3% ou 4%, as importações crescerão pouco e o equilíbrio com as exportações parece garantido.
A lentidão das reformas é outra das ameaças que mais receio causam aos analistas. Mas muitas das reformas constitucionais se resumem a tentar reduzir o custo da mão-de-obra (ou seja, o salário), supondo que, assim, o emprego aumentará.
Mesmo que dê certo, mais emprego com salários reais menores não parece ser grande invenção para esta ex-colônia portuguesa, cem anos depois da Abolição da Escravatura e com a segunda pior distribuição de renda do mundo.
Para quem foi a Portugal, o maior desafio desta nova fase da economia brasileira é a ameaça de crescimento lento acompanhado de grande desemprego. Nenhum ciclo de crescimento -pau-brasil, açúcar, ouro, café e substituição de importações- apresentou ameaça tão séria aos nossos problemas crônicos de desemprego, má distribuição de renda e exclusão.
Compro ações brasileiras. Mas é posição de curto prazo. A longo prazo, sou vendedor. Não por causa do déficit público, da lentidão das reformas ou da taxa cambial. A longo prazo vendo, porque o Brasil não pode ser um imenso Portugal.

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