São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Pobres municípios

FERNANDO DAMATA PIMENTEL

Não, este artigo não é sobre os municípios do Nordeste nem sobre os da região amazônica. O título se refere a praticamente todos os municípios brasileiros, com raríssimas exceções. Como, pobres?
A maioria dos leitores deve aceitar como correta a premissa, usual nos círculos brasilienses, de que a Constituição de 88 "transferiu receitas aos municípios sem transferir encargos". Assim sendo, não há por que se preocupar com uma possível crise financeira municipal. As cidades têm dinheiro; os falidos são os Estados e a União.
Infelizmente para todos nós, habitantes urbanos, o raciocínio acima não é correto. Vejamos:
1) É verdade que o sistema tributário pós-88 concedeu maiores receitas para os governos municipais (como também para os estaduais), mas não apenas via transferências automáticas (como os fundos de participação), e sim, principalmente, porque os municípios aumentaram a arrecadação de seus próprios impostos muito acima do crescimento de receitas do governo federal, do PIB e da população.
Assim, a arrecadação tributária própria dos municípios passou de 0,7% do PIB, em 1988, para 1,3%, em 1994, enquanto a arrecadação própria da União (excluindo seguridade social) caía de 9,4% do PIB para 8,4%, no mesmo período.
Vale dizer: os prefeitos, pelo menos os das cidades grandes e médias (e é bom lembrar que os 200 maiores municípios brasileiros concentram 48,7% da população do país), souberam ocupar o espaço tributário oferecido pela Constituição. Cobram IPTU, ISS, taxas e o que mais a Constituição lhes permite. É basicamente assim que se financiam os gastos crescentes das cidades, tanto maiores quanto maior é o abandono da área social pelos falidos governos estaduais e pelo governo federal.
2) À descentralização de receitas seguiu-se, portanto, a de despesas, ainda que esse segundo processo tenha ocorrido de forma descoordenada. Contudo, é inegável que sobre os municípios, especialmente os maiores, recai hoje a carga mais pesada das demandas sociais. E eles se desdobram para fazer frente a esse aumento de encargos, face à quase total ausência dos demais níveis de governo.
A Prefeitura de Belo Horizonte, para tomar só o exemplo mais próximo, aumentou seu dispêndio na rubrica "manutenção e desenvolvimento do ensino" de US$ 89 milhões, em 1991, para R$ 155 milhões, em 1995.
Esse espantoso crescimento da despesa com educação (74%, em moeda estável, no período de cinco anos) foi quase regra geral nas cidades médias e grandes.
Somem-se a isso os gastos na área de saúde, assistência social e em obras (os municípios responderam por mais de um terço do total investido em obras públicas no país em 95) e teremos um quadro em que o crescimento das despesas acompanhou ou mesmo ultrapassou o das receitas.
3) Agora, chegamos a um momento delicado para as finanças das prefeituras em geral. Extinguiu-se um importante tributo municipal, o IVVC (Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis) -só em Belo Horizonte a perda foi de R$ 6 milhões/ano, o equivalente a um mês e meio de limpeza pública na cidade.
Prorrogou-se a vigência do Fundo de Estabilização Fiscal (antigo Fundo Social de Emergência), que subtrai 20% do Fundo de Participação dos Municípios.
Pior: tendo expandido quase ao limite suas fontes de arrecadação, e arcando com o peso de despesas crescentes, não dispõem os municípios de nenhuma linha de crédito que permita diferir no tempo a pressão sobre o caixa. Os empréstimos de Antecipação de Receita Orçamentária não podem ser transferidos para 1997 -é a regra nos anos eleitorais.
E, enquanto aos governadores a União dá as vantagens de empréstimo em 36 meses, batizado de "Programa de Apoio ao Ajuste Fiscal dos Estados" (Minas obteve R$ 130 milhões nessa linha, com os quais quitou o 13º do funcionalismo), aos prefeitos disse nada.
Exceto, é claro, ao felizardo alcaide da capital paulista, que mereceu -por seus favores junto ao Congresso Nacional- a federalização de uma dívida de R$ 3,2 bilhões, proporcionando economia estimada em R$ 250 milhões/ano aos cofres daquela prefeitura.
Esse é o quadro que justifica o título deste artigo. Os municípios buscam hoje não privilégios, mas um tratamento pela União que preserve os princípios básicos do pacto federativo, hoje claramente agredidos pela postura "negocista" dos governantes do Planalto.

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