São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Sexo e religião convivem no jovem artista brasileiro

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Lançado em fevereiro último, o projeto "Antarctica Artes com a Folha" atingiu neste mês seu quarto dígito: já visitou cerca de mil ateliês em 69 cidades de todo o país em busca de jovens talentos nas artes plásticas.
Nestes quatro meses de vida e de visitas, foi possível detectar que sexo e religião são dois temas constantes na produção e na formação da identidade dos jovens artistas.
Religiosidade
"Somos um país místico e isso fica claro na produção artística emergente no país, mas é uma religiosidade muito particular, ligada a conceitos como identidade e memória. A arte brasileira é muito intimista", disse Isabella Prata, coordenadora da curadoria do projeto.
Intimista também é o termo usado por Nelson Brissac Peixoto, um dos cinco curadores responsáveis pela seleção dos jovens artistas.
"O que fica mais evidente é a manipulação de uma espiritualidade e uma dedicação do artista a um espaço mais íntimo, talvez até pelas dificuldades de ele se mostrar. Existe uma ruptura com o espaço público e uma maior dedicação ao inconsciente, à infância, à memória. O artista dá significados particulares a pequenos objetos, que tiveram significado em sua vida pregressa", disse.
Segundo o curador, quando a religiosidade aparece de maneira explícita, por meio de imagens de santos ou signos ligados à tradição religiosa, ela é tratada com ironia. "Existe sempre um distanciamento crítico muito grande. Esta nova geração não é ingênua", disse.
A curadora Lisette Lagnado diz que religiosidade e sexualidade fazem parte de um mesmo discurso e que remontam a um processo de autoconhecimento do artista.
"As duas questões fazem parte de uma retomada da infância e da memória do artista. O ponto de encontro da sexualidade e da religiosidade é a memória. Não existe aqui a questão da culpa e do remorso, mas uma busca de verdade e de testemunho. Acredito que a arte esteja ocupando o lugar da psicanálise, já que ela é o lugar da busca da auto-referência, onde você se deixa entregar às suas reminiscências", disse.
Corpo e sexualidade
O conceito da sexualidade também se torna indispensável na discussão da formação da identidade. "É impossível não falar em sexo quando se fala em identidade", disse Isabella Prata.
Brissac Peixoto concorda, mas observa que o sexo é eco da dominância da questão do corpo na arte contemporânea.
"Vi muitos trabalhos em que a manipulação do corpo aparece sob um viés erótico, mas também sob um viés mórbido, por meio de costuras que remetem à reordenação do corpo e de sua identidade. A questão do corpo é mais importante que a do sexo, pois ele se mostra como objeto de manipulação. O corpo é tratado sem nenhuma reverência ou romantismo. É o corpo ao alcance da mão", disse.
Identidade e hibridismo
Em muitos casos, as questões de sexualidade e religiosidade se tornam tão híbridas que se fundem na formação da identidade do artista.
Marcos Moraes, professor de história da arte na FAAP e assistente da curadora Lisette Lagnado, visitou cidades da região Norte, Nordeste e Sudeste. "Em todos os lugares que visitei, os conceitos de religiosidade e sexualidade eram muito fortes, mas em alguns lugares, como Vitória, a fusão dos dois era mais evidente", disse.
No Nordeste, segundo Moraes, essa fusão aparece como mecanismo para trabalhar remorsos e culpas, mas também como um conceito estético, desvinculado de dogmas.
"Sexo e religião estão juntos, mas o espectro do mal não está tão carregado. Há uma consciência da proximidade desses dois conceitos, mas a questão do sacrifício está mais leve", diz Lagnado.
Segundo Brissac Peixoto, o hibridismo é característica da nova geração. "São artistas híbridos, com obras diferentes em diferentes suportes. Gosto dessa geração que estamos descobrindo, pois ela não se inibe frente às diferentes linguagens, mesmo não dominando todas as técnicas", disse.
Para Isabella Prata, além da religiosidade e da sexualidade, fica claro ainda que a identidade da arte brasileira é fruto da história da arte do país. "Devido a um mercado de arte sempre voltado para si próprio, a arte brasileira desenvolveu uma personalidade própria, sem referências americanas ou européias", disse.
Passados quatro meses de projeto, está provado que o medo inicial dos envolvidos -não encontrar arte contemporânea consistente fora do eixo Rio-SP- não era pertinente. "Há muito tempo não se olhava para o jovem artista, e hoje está claro que a descentralização permite qualidade. O potencial artístico de muitas localidades não se desenvolve, ou vem a público, apenas por falta de investimento", disse Isabella Prata.

Mais informações sobre o projeto "Antarctica Artes com a Folha" podem ser obtidas por meio da Caixa Postal 2.403, CEP 01060-970, São Paulo. Também é possível obter informações pela Internet, por meio da home page www.totalnet.com.br/artes/antarctica.folha ou pelo e-mail antarctica.folha@totalnet.com.br

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