São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Gainesville (Viagem)

DARCY RIBEIRO

Quando você ler esta coluna, já estarei de volta ao Brasil. Vim, domingo, e voltarei, domingo. Estou no hospital University of Florida, aos cuidados do doutor Zev Wajsman, que foi achado para mim pelo Aloysio C. da Paz.
O cara é bom. Já à primeira vista infunde confiança e mostra força. Sabe tudo de câncer e suas metástases. Sobretudo os prostáticos e respectivas expansões ósseas.
Apalpou-me todo com seus instrumentos prodigiosos. Disse que tenho um "câncerzinho" à-toa. Mesmo para as metástases, não deu muita bola. Confia que conseguirá roê-las.
O diabo é que, quando mais eficiente for, maiores buracos fará na minha ossatura vitrificada, que se tornará mais frágil ainda. Isso significa que terei que cuidar dos meus ossos largos e compridos, e até os pequenininhos, porque eles também podem me agredir, com cama de hospital e dores.
Inicialmente, achava que toda a piora nas minhas pernas, as dores e as tonteiras que eu tinha eram devido ao câncer, mas "Zeca" mostrou que não. Meu diabetes, sempre desprezado, era que estava me mordendo.
Ele cuidou também do câncer com corticóides e, sobretudo, com a nova medicina nuclear, que me faz sentir um marciano. Tomei injeção de estrôncio, aplicada por um médico louríssimo, cujo preço maior é a implicância de ouvir seu longo discurso.
Fala tanto para dizer que o remédio dele não presta, não cura ninguém nem alivia as dores, mas é o único que vai até a medula óssea para combater as metástases. Em uns poucos casos, dá um bom alívio. Em outros, um pequeno alívio. Não fui na conversa dele e fiz aplicar a injeção mágica. Prometi que quando ele viesse ao Brasil, eu trataria com uma boa macumba.
Volto bem, o câncer acuado e o diabetes equilibrado. Gostei daqui. Tudo é cordial e bom, exceto a comida, que é muito vitaminada e nutritiva.
Isso se demonstra pela enfermidade que grassou aqui nos "States", que é a obesidade. Vi homens e mulheres, pretos e brancos, que daria cada um para fazer três. Vi também umas quantas magrelas tão esqueléticas que perguntei se teriam Aids.

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