São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Perversidade suspeita

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A barganha faz parte do jogo democrático, é antiética, mas politicamente necessária para se obter resultados. Daí que política e moral se repelem, e daí aquela frase segundo a qual a democracia é a pior forma de governo -afora as demais.
O pior da barganha é quando, além de antiética, tem finalidade perversa. Reduzir o tamanho do Estado é um processo sinuoso e longo. Até certo ponto, é o subproduto de um desenvolvimento social, nunca uma prioridade operacional. A diminuição do Estado é um efeito, não uma causa em si.
É como eliminar o automóvel ou a polícia das ruas. Numa cidade cujo grau de transportes coletivos é desenvolvido, o veículo individual pode ser diminuído e em alguns casos abolido.
Em Estocolmo, na véspera do casamento da rainha Sílvia, esqueci a mala em um ponto de táxi. Só dei pelo esquecimento quando cheguei ao hotel. Voltei no mesmo táxi, a mala estava na calçada, solitária, destacada, imune. Nem havia policial perto.
Sociedades organizadas podem dispor de um Estado pequeno. A sociedade ideal dispensará o Estado. Não é o caso do Brasil, nem de países que atravessem turbulências sociais. Temos dois exemplos recentes. O de Roosevelt, que aumentou o Estado do bem-estar para combater a recessão e o desemprego, criando as bases da maior economia do planeta.
E no pólo oposto, mas com a mesma ferramenta, a de Hitler, que pegou a Alemanha devastada pela inflação e pelo desemprego, e mandou abrir estradas até certo ponto inúteis, pois só tiveram uso pleno pelos tanques aliados 12 anos depois.
A perversidade do governo é que seus integrantes sabem de tudo isso, lutaram até oito anos atrás pelo bom senso e pela justiça social. A barganha com os ruralistas é indecente, mas não é letal. Letal foi a opção pelo capitalismo mais selvagem, que atende pelo apelido de neoliberalismo.

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