São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996
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Uma nova Justiça Militar

GETÚLIO CORRÊA

Não compreendi as críticas do deputado federal Hélio Bicudo (PT-SP) ao Senado Federal, alegando que há um "divórcio" entre a "chamada Câmara alta e a representação popular" por rejeitar o projeto de lei 13/96, recentemente aprovado pela Câmara Federal.
Ao aprovar o substitutivo do senador Geraldo Melo (PSDB-RN), alterando, saliente-se, radicalmente a Justiça Militar, o Senado apenas optou, em essência, pelo projeto de lei 102/93.
Ele foi aprovado na Câmara por 198 votos a 70, votação até mais expressiva do que aquela obtida quando da votação do mencionado projeto 13/96. Não há, portanto, a mencionada dissonância entre as duas casas do Congresso.
Na discussão dos projetos no Senado, percebeu-se que a posição do deputado federal Hélio Bicudo está sendo acalentada pela ignorância de alguns integrantes dos partidos de esquerda que não compreenderam a profunda alteração que resultou na Justiça Militar.
A dúvida do experiente senador Roberto Freire, ao afirmar que nada mudava, confundindo dolo com premeditação, merecendo, inclusive, a intervenção e necessária explicação do senador Esperidião Amin (PPB-SC), parece que foi repassada a alguns órgãos de comunicação, cujas manchetes apenas mencionaram a "traição" dos aliados do governo ao votarem contra o projeto de lei nº 13/96.
A Folha, apesar de sempre bem informada, não foi diferente ao salientar em uma edição que "o substitutivo encaminha à Justiça comum apenas os crimes contra a vida" (11/5).
Em outra, foi ainda mais radical e incoerente: "com o voto dos governistas, o Senado manteve com a Justiça Militar, na semana passada, o julgamento de crimes praticados por PMs" (12/5).
Com certeza, o ombudsman do jornal terá trabalho para explicar aos leitores a incongruência das manchetes.
A reclamação do deputado Hélio Bicudo, de que o substitutivo exclui "abusos", não é verdadeira, pois ainda está em vigor a lei 4.898, de 1965, que pune quaisquer abusos de autoridade cometidos por policiais, sejam civis ou militares, e julgados há mais de 30 anos na Justiça comum.
O Senado, ao acolher o referido substitutivo, nada mais fez do que atender a todos os reclamos das entidades nacionais e internacionais de direitos humanos que pretendiam ver casos como da Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), Corumbiara (Rondônia) e o recente Eldorado do Carajás (Pará) submetidos à Justiça comum.
Todos crimes dolosos contra a vida, na prática homicídios praticados em serviço por militares (o Código Penal Militar não prevê os crimes de aborto e infanticídio), passam a ser julgados pela Justiça comum, via júri popular.
Importante ressaltar que a análise da competência, ou seja, a verificação se o crime é doloso, no âmbito da Justiça Militar, será feita por um promotor de Justiça e pelo juiz de direito, ambos civis e, evidentemente, sem qualquer vínculo com a organização militar.
Respeite-se o pensamento dos que discordam da existência de um foro especial para os crimes militares.
O inaceitável é o surrado discurso, falacioso, de foro de impunidade, como disse Paulo Sérgio Pinheiro (Folha, 25/4), como fator de mudança da competência, pois o Poder Judiciário atua nas consequências, não nas causas.
O que está havendo, na verdade, é uma crise de vedetismo na ânsia de aprovar um projeto que atende interesses político-ideológicos, já demonstrados por meio de outros projetos de lei rejeitados pelo Congresso Nacional.
O texto acolhido pelo Senado, além do mais, é coerente e mais amplo do que o projeto do deputado federal Hélio Bicudo, ao transferir para o júri não só os homicídios praticados por PMs, mas, da mesma forma, os de militares das Forças Armadas, dando tratamento igual para a Justiça Militar federal e para as Justiças Militares estaduais.
Todos queremos uma Justiça mais ágil, que responda de forma imediata aos anseios da sociedade, mas sem ofender os direitos constitucionais do cidadão, seja civil ou militar.
As críticas são provenientes de quem pretende ver no Judiciário o responsável pelas mazelas nacionais.
Oportuna a manifestação do nosso presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Paulo Medina: "Cegos à injustiça, portanto, estão aqueles que, em vez de se empenharem pela modernização do Poder Judiciário, utilizando-se de argumentos falaciosos, querem afrontar a Justiça no Brasil" (Folha, 16/5).

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