São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 1996
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Sobre a avaliação acadêmica

GIL DA COSTA MARQUES

Em 12 de maio, a Folha trouxe reportagem sobre um concurso para professor titular realizado no Instituto de Física da USP. A questão levantada pela Folha torna-se importante quando enfocada como a manifestação da preocupação da sociedade sobre a forma como a mais prestigiosa universidade brasileira, que é pública, realiza suas avaliações.
Todo sistema universitário sério deve ser baseado numa estrutura hierarquizada, cujos níveis devem ser preenchidos em função do mérito acadêmico. Em algumas universidades brasileiras, forçoso é reconhecer, atingem-se os degraus mais altos da carreira universitária deixando o tempo passar pois a promoção resulta da contagem do tempo de serviço. Este não é o caso das universidades públicas paulistas.
Para que tenham credibilidade, as avaliações de mérito devem ser feitas por pessoas reconhecidamente competentes e numa forma isenta de interesses locais. Estas condições, básicas para um julgamento competente e sem compadrio, são preenchidas nos concursos para professor titular na USP. Os examinadores devem ter, pelo menos, o mesmo nível da posição pretendida pelo candidato, e grande parte dos examinadores deve ser externa à instituição. Há, no entanto, questões associadas à essência e à forma da avaliação que merecem ser levantadas.
O processo de afunilamento na carreira universitária tem propiciado a realização de concursos envolvendo diferentes áreas, com muitos candidatos qualificados concorrendo a uma única vaga nos postos mais altos da carreira. A concorrência em áreas diferentes introduz um complicador; como comparar, por exemplo, um físico experimental com um físico teórico? Comparações entre áreas distintas podem favorecer decisões baseadas em sensibilidade maior para afinidades de área de trabalho.
O ideal seria uma definição mais limitada das áreas a serem colocadas em concurso, seguindo uma política científica definida pela instituição. A opção por limitar as áreas num concurso, no entanto, esbarra às vezes nas legítimas disputas de espaço para a melhor realização da pesquisa pelos grupos das diferentes áreas que atuam na instituição.
Quando não é possível a explicitação das prioridades das áreas, se delega à banca examinadora uma atribuição da instituição. Nesse caso, é imprescindível que ela se assegure, além da alta qualificação acadêmica da banca examinadora, da sua capacidade de avaliar trabalhos desenvolvidos em áreas distintas e de eliminar um possível viés decorrente da maior familiaridade e vivência dos examinadores em uma dada área de pesquisa.
Como a avaliação do mérito acadêmico se constitui no principal instrumento de definição do que seja a qualidade do trabalho realizado em uma instituição de ensino e pesquisa, é importante que analisemos quais as atividades que são consideradas de valor na academia e quais os parâmetros que são usados na definição dessa qualidade.
Todas as avaliações na USP, como acontece em qualquer processo de avaliação, são baseadas em atribuições de valores às diversas atividades e/ou realizações acadêmicas. Dar o valor "correto" a uma realização acadêmica pode não ser difícil no caso de uma tese de doutorado, por exemplo, mas passa a ser complexo quando se trata de atribuir valores a carreiras longas, com ênfase em diferentes aspectos das atividades acadêmicas.
O Regimento da USP explicita que no julgamento das atividades dos candidatos ao mais alto cargo da universidade, numa unidade envolvida com ciências, devem ser avaliados a produção científica, a atividade didática universitária, a atividade de formação e orientação de discípulos, as atividades relacionadas à prestação de serviços à comunidade, diplomas, dignidades universitárias e outras atividades profissionais. A abrangência de atividades introduz uma dose extra no subjetivismo inerente a qualquer processo de definição de qualidade.
No caso da produção científica, cabe uma análise da liderança do pesquisador na área, do volume de pesquisa dos candidatos, da qualidade e do impacto dos seus trabalhos, que podem ser, em parte, medidos por parâmetros como o número de trabalhos comparado com a média da produção na área, as citações que cada um desses trabalhos teve e o prestígio das revistas nas quais os trabalhos foram publicados.
É natural que os resultados de avaliações acadêmicas gerem insatisfações decorrentes de diferentes concepções sobre a qualificação acadêmica, desde que sejam respeitadas as funções de cada um no processo de avaliação. As insatisfações e crises são muitas vezes geradoras de questionamentos e redefinições altamente positivas. De fato, os processo de avaliação devem servir para o constante questionamento do cumprimento dos objetivos da instituição, bem como dos próprios objetivos, que precisam ser continuamente analisados e aperfeiçoados na vida universitária.

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