São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 1996 |
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Desafio é enclausurar o Belo numa definição
MARIO SERGIO CORTELLA
Ironia ou convicção? Provavelmente uma pitada de ambas; não foram poucos os "fazedores de arte" na história que, como Zola, procuraram amenizar as inúmeras tentativas de enquadramento lógico das irrupções estéticas. Ou, ainda, como escandir o arrebatamento provocado pela audição do quarto movimento da "Nona Sinfonia" de Beethoven? Como entender o sentimento dos versos de Catullo da Paixão Cearense em "Ontem ao Luar", que, desde a gravação de Vicente Celestino, em 1918, nos mostra que "se tu desejas saber o que é o amor/ E sentir o seu calor amaríssimo travor/ Do seu dulçor/ Sobe o monte à beira-mar, ao luar/ Ouve a onda sobre a areia a lacrimar/ Ouve o silêncio a falar na solidão"... E o fantasma de Álvares de Azevedo, que, nos seus terminais vinte anos, a ele dizia: "Sou o sonho de tua esperança/ Tua febre que nunca descansa/ O delírio que te há de matar!..."? E o horror de Picasso expresso em "Guernica"? Diz a lenda que, quando uma autoridade alemã o elogiou pela produção da pintura, respondeu: "A obra não é minha e sim vossa; apenas a pintei". E a vertigem criada pelo refrão da "Roda Vida" de Chico Buarque, na qual "Roda mundo, roda gigante/ Roda moinho, roda pião/ O tempo rodou num instante/ Nas voltas do meu coração"? O que tem ela em comum com a cena do cego, na chuva, tocando no acordeon a música que Nino Rota compôs para "Amarcord", de Fellini, em 1973? Valéry Paul Valéry não encontraria dificuldade para conectar Chico e Fellini, Álvares e Picasso, Michelangelo, Beethoven e Catullo; afinal, ele dizia que "definir o belo é fácil: é aquilo que desespera". Seria essa a essência do Belo ou, como é usual interpretar, a noção de beleza é histórica e mutável? Há alguns anos entrou em moda a técnica de colorização de filmes clássicos, e isso causou um certo frêmito nos incautos; pode o Belo ser modernizado sem perder vigor? Qual seria nossa sensação se fossem restaurados os braços na Vênus de Milo ou reconstituídos o Coliseu e a Acrópole, de modo a ganharem sua forma original? Continuariam belos -como talvez o foram na sua gênese- ou nosso olhar já se habituou à formosura do desgaste temporal? O que pensaria Aristóteles, para quem "o Belo é o esplendor da ordem"? E que ordenação é essa aspirada por ele? É simetria, as coisas no seu lugar, a harmonia convergente? Como ficaria nosso olhar sobre um "Cidadão Kane" ou um "O Garoto" colorizado? Seria respeitoso com a intenção e condição de Welles e Chaplin? Mas Arte não é, também, a prática do desrespeito? Talvez por isso mesmo o poeta Rimbaud, na sua autobiografia "Uma Temporada no Inferno", tenha escrito que "uma noite, sentei a beleza sobre os meus joelhos. E achei-a amarga. E a insultei". Simbolismo ou surrealismo? Texto Anterior: "Pavilhão Japonês" leva a comédia "trash" ao palco Próximo Texto: Banda de BH lança 'sobras' dos Beatles Índice |
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