São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 1996
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Candeias se prepara para rodar seu décimo longa-metragem

FERNANDO LICHTI BARROS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O cineasta Ozualdo Candeias não acredita em milagres. A ressurreição do cinema brasileiro, diz ele, resume-se por enquanto a um espasmo precoce e exageradamente comemorado pelos meios de comunicação.
Como faz desde o lançamento do seu filme de estréia, "À Margem", há 29 anos, ele se mantém afastado do foguetório, mas não pára de filmar.
No segundo semestre, Candeias começa a rodar o longa "O Lenço Manchado de Sangue".
Enquanto isso, recorre a um despojado estilo de improvisação: gruda fotografias na parede do seu apartamento, em São Paulo, grava imagens em vídeo e, depois, transforma em documentário.
O primeiro está na fase de edição. Trata das pinturas rupestres da Serra da Capivara, no Piauí.
Para o segundo, que vai mostrar a fase mais efervescente (entre 1968 e 76) da "Boca do Lixo", antigo ponto de encontro de profissionais do cinema, ele começa a revirar arquivo de cerca de 500 fotos.
Ousadia
"Invento um projeto por dia", ele calcula. Candeias já tem engatilhado mais um, "Fome e Fotonovela", cujo roteiro -imaginado, nunca escrito- ataca a conduta assistencialista do Estado.
Haverá o dinheiro necessário? Tanto faz. "Com o mínimo eu já meto a cara", afirma. "Filmes exigem ousadia".
Não fosse assim, ele não teria concluído seis curtas e nove longas-metragens, dois deles -"As Belas da Billing's" e "O Vigilante"- ainda inéditos.
Candeias enxerga com desconfiança o oba-oba em torno do suposto revigoramento da indústria nacional. Já viu essa fita antes.
Há 20 anos, segundo ele, atores, técnicos e críticos ensaiaram discurso semelhante na "Boca", prenunciando uma retomada que, afinal, não aconteceu.
Até hoje, afirma, são raras as produções que, orçadas acima de R$ 1 milhão, conseguem se pagar.
Mais: a começar por "O Ébrio", de Gilda de Abreu, lançado em 1946, vários filmes tiveram bilheterias maiores do que a obtida por Carla Camuratti com "Carlota Joaquina, Princesa do Brasil", tido como o fórceps aplicado na operação do festejado renascimento do cinema brasileiro.
Capotamento
O mérito de Camuratti, na opinião de Candeias, foi mirar na família real, acertar no inconsciente coletivo e, com o disparo, atrair público para as salas de exibição.
"A fita é competente porque espinafra personagens da elite, e o brasileiro fica contente com isso". Seu alvo, porém, é outro. "Minha crítica é ao Estado. Se não tiver uma denúncia sobre o nosso quadro social, é perda de tempo".
Turrão incorrigível, Candeias só faz o que quer. Em compensação, quando se entusiasma, é capaz até de espatifar seu carro para garantir uma boa cena de capotamento.
Não é exagero. Na década de 70, responsável por câmara e iluminação do trash "As Ninfas Diabólicas", ofereceu ao diretor John Doo o seu Simca Chambord. O automóvel voou do alto de uma serra e ficou em pedaços. Valeu a pena, conta. "E eu ainda ganhei um dinheiro a mais com isso".

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