São Paulo, sábado, 25 de maio de 1996
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Quando o aluno supera o mestre

RUBENS RICUPERO

É extraordinário verificar, no sucesso da experiência asiática de desenvolvimento, como esses países são dotados de uma capacidade inigualada de aprendizado e auto-superação.
No fundo, o fenômeno não é tão novo como parece, pois o Japão do fim do século passado já havia demonstrado que, em poucos anos, era possível a uma cultura oriental particularmente fechada sobre si mesma romper o isolamento e importar as técnicas e os métodos que haviam dado ao Ocidente sua primazia militar e econômica.
Parecia, porém, que essa adaptabilidade era apenas um talento dos japoneses, acusados às vezes de serem mais imitadores e aperfeiçoadores de idéias alheias do que gente inventiva e inovadora.
Ora, o que vemos hoje um pouco por toda parte na Ásia é a generalização dessa faculdade, que tem permitido aos asiáticos não só aprender com os ocidentais, mas até ir mais longe e mais rápido no êxito em industrializar suas economias e conquistar mercados. É o que se está vendo primeiro no domínio do comércio exterior.
Tanto as teorias clássicas como as regras básicas do comércio internacional foram desenvolvidas por pensadores como Adam Smith e David Ricardo a partir de fins do século 18, quando a Revolução Industrial conferia à Inglaterra uma superioridade competitiva e uma dominação mercantil que iriam se prolongar por um século.
Enquanto durou essa primazia, os britânicos permaneceram os campeões universais do comércio livre -ou livre-cambismo, como se dizia na época-, só começando a abandoná-lo mediante a adoção das chamadas preferências imperiais, quando soou o momento inevitável do declínio.
Passaram, então, a tocha aos americanos, os quais receberam, juntamente com sua preponderância econômica após a Primeira Guerra Mundial, o papel de intransigentes defensores de um sistema comercial aberto, avesso a protecionismos e arranjos preferenciais de tipo regional.
Essa fé no multilateralismo comercial e o poder hegemônico americano após a Segunda Guerra tornaram possível aos EUA reconstruir a ordem econômica em Bretton Woods e Havana, com a criação do FMI, do Banco Mundial e do Gatt.
Agora, contudo, pela primeira vez na história, povos não-ocidentais, começando pelos japoneses, passando pelos coreanos e chegando aos chineses, aprenderam a jogar o jogo melhor do que seus inventores.
É um pouco como o futebol, criado pelos ingleses, mas levado pelos brasileiros e por outros a refinamentos e sutilezas não-presentes no jogo original.
A grande questão, portanto, é indagar se os autores da teoria e das regras serão capazes de se manter fiéis a elas na hora em que o jogo começar a virar contra eles.
Como quase sempre, a resposta é sim e não.
De um lado, são evidentes os sinais de que os Estados Unidos já não são tão fiéis à pureza intransigente do seu multilateralismo anterior.
A fim de fazer frente à integração européia e ao desafio japonês, os americanos começaram a tomar a iniciativa de acordos preferenciais, como o Nafta, ou regionais, como o da Associação de Cooperação dos Países do Pacífico (Apec).
Ao mesmo tempo, passaram a pressionar o Japão para obter acordos de "comércio administrado", pelo qual se fixam metas quantificáveis e não regras gerais.
Buscam também, juntamente com os europeus, proteger-se da competição da China, mediante a adoção de salvaguardas especiais no momento em que o gigante chinês for finalmente admitido na OMC.
Por outro lado, entretanto, não se pode forçar demais a mudança das regras no momento em que o jogo principia a oferecer oportunidades preciosas de aumentar as vendas aos mercados asiáticos.
Com efeito, países como a China e a Coréia importam cerca de US$ 100 bilhões anuais cada.
Somadas às importações também colossais dos demais asiáticos, e levando em conta serem elas hoje as economias de crescimento mais rápido no mundo, é fácil compreender por que a Ásia se transformou na locomotiva da economia mundial e por que o jogo do comércio continua a ser vantajoso, mesmo quando aumenta o número dos países capazes de jogar melhor.

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