São Paulo, sábado, 25 de maio de 1996
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"Sam Spade dos anos 90" volta sob o signo do corvo

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O escritor norte-americano John Dunning escapa de qualquer padrão de sucesso na cultura de massas do final do século. Seus livros de mistério são best-sellers nos EUA, no Japão e na Bulgária mas ainda não foram editados na Alemanha ou na França, por exemplo.
Ele os escreve numa velha máquina. Nunca usou computador e, em sua casa em Eureka, Colorado, com vista para as Montanhas Rochosas, não existe secretária eletrônica. "Nunca perdi nenhum telefonema importante por isso", disse ele na quinta-feira em entrevista exclusiva à Folha.
O sucesso de Dunning no mundo literário foi súbito e inesperado, até para ele, após muitos anos de tentativas mal-sucedidas. Em 1992, aos 50, ele viu seu sexto romance vender toda a primeira edição de 6.500 cópias, da noite de 22 de janeiro para a manhã seguinte.
"Até hoje eu não sei como explicar o que aconteceu", afirma Dunning. Mas ele tem uma teoria: "Booked to Die" (um trocadilho com a palavra "book", que significa tanto o substantivo "livro" quanto os verbos "registrar, inscrever") encantou os livreiros.
O livro, que trouxe à luz o personagem Cliff Janeway, "tratou do negócio de livros como nunca ninguém tratou antes", diz Dunning, ele próprio um livreiro em Denver durante dez anos (com seu sucesso como autor, ele vendeu em 1994 a "Old Algonquin", casa especializada em livros raros e usados).
Janeway é um policial que coleciona livros raros. Desiludido com a corrupção da polícia em Denver, resolve fazer justiça com as próprias mãos, espanca um estuprador posto em liberdade pela justiça e é expulso da corporação.
Como Dunning, Janeway abre uma livraria. Só que a dele é especializada em primeiras edições modernas. Quando vai buscar uma coleção preciosa perdida, se defronta com uma série de crimes que se esforça para desvendar.
"Booked to Die" ("marcado para morrer" seria a tradução) vai desenrolando sua trama policial e, ao mesmo tempo, discutindo características do mercado livreiro.
O livro vendeu 120 mil cópias nos EUA. A segunda aventura de Janeway, a que agora está saindo no Brasil pela editora Companhia das Letras) vendeu 265 mil.
Mais do que isso, Janeway virou "cult". Tanto que Dunning resolveu dar um tempo a ele para não desgastá-lo. "Gosto muito desse personagem e não escrevo só para ganhar dinheiro".
Para 1997, Dunning está finalizando uma história dos grandes programas de rádio norte-americano da década de 30 (nos últimos 24 anos ele os tem comentado semanalmente numa estação de Denver). Depois, virá um romance de mistério sem Janeway.
A trama de "Impressões e Provas" começa quando Janeway é procurado para localizar um exemplar de uma edição em tiragem limitada e artesanal de "O Corvo", de Edgar Allan Poe, feita em 1949, e que tem um erro.
O detetive acaba descobrindo que uma outra edição, de 1969, feita pelos mesmos editores, também tinha o mesmo erro e que as pessoas que receberam cópias desse livro estavam sendo assassinadas em vários locais dos EUA.
Como "Edições Perigosas" (título da Cia. das Letras para "Booked to Die"), "Impressões" tem os ingredientes para manter o culto ao Sam Spade do final do século.

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