São Paulo, sábado, 25 de maio de 1996
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Estamos lúcidos, acreditem

FERNANDO GABEIRA

A plantação de cânhamo passou a ser uma decisão estratégica para a sociedade sustentável. Ele serve para quase tudo, não depende de agrotóxicos e é renovável.
O grande impulso industrial que está se articulando em torno dele divide os empresários. Afinal, cânhamo e maconha são quase a mesma coisa, diferem apenas na presença de um princípio ativo conhecido como THC.
Um grupo de empresários, a maioria deles, acha que deve ser feita sempre uma distinção clara. Quanto mais distante os produtores de cânhamo ficarem da luta pela liberação da maconha, mais serão respeitados, melhores negócios vão surgir numa área tão promissora quanto foi a do petróleo e seus derivados. Aliás foi a indústria do petróleo que sufocou a do cânhamo, quando havia uma certa fascinação pelos produtos sintéticos.
Outro grupo de empresários (estou falando sempre de estrangeiros) acha que, se não houver liberação da maconha, a plantação de cânhamo será tão rigidamente controlada pelo governo que acabará impondo a lentidão burocrática à intensa dinâmica interna desse setor da produção. No Canadá, por exemplo, de 400 pedidos de licença, apenas 20 foram concedidos aos fazendeiros que queriam plantar.
Finalmente, um terceiro grupo, Adidas, Guess, multinacionais que podem produzir tênis, jeans e outros produtos de cânhamo, não ignora que a associação do cânhamo com a maconha adere uma espécie de charme cosmopolita ao produto. Mas recusa qualquer referência explícita a esse enlace.
Nos casos mais sofisticados, não é a produção industrial que estimula o uso da maconha, mas sim o inverso: a aura positiva de que ela desfruta em alguns setores estende-se para o produto. No Brasil, o ideal era que um deputado circunspecto falasse do cânhamo e outro falasse da maconha. Não existe ninguém com esse perfil e uma questão econômica estratégica acabou se entrelaçando com a luta pelas liberdades individuais.
A maioria das pessoas acha que a teorização sobre a produção industrial é apenas um álibi para liberar a maconha num futuro próximo. É razoável que pensem assim, pois desconhecem a gigantesca dimensão econômica. Outras desconfiam também que os produtos industriais serão dissolvidos para que os fumantes o consumam em forma de baseado. Imaginem que dor de cabeça e frustração não teriam.
Essa pergunta é interessante porque reflete o curso histórico e coloca diante de nós seu patético conteúdo: é possível deter a marcha do desenvolvimento sustentável, cujo produto mais rico é o cânhamo, só para evitar que as pessoas fumem seu baseado? O que fazer, agora que o petróleo está acabando, que tememos o efeito estufa e milhões de habitantes do planeta desejam um futuro mais limpo e seguro para as novas gerações? Respeito muito a Polícia Federal, mas temo que ela não tenha alternativa para isso.

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