São Paulo, sábado, 25 de maio de 1996
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Questão industrial ou de saúde pública?

RONALDO LARANJEIRA

Mais uma vez a maconha fica em evidência no debate público com a tentativa de importação, por um deputado do Rio de Janeiro, de amostras de uma variedade da planta com o intuito manifesto de explorar o seu potencial industrial.
A pergunta pertinente é se essa produção industrial poderia aumentar o consumo no país. A resposta mais curta e simples é: poderia, sim, aumentar o consumo. A resposta mais longa deve discutir quais seriam as circunstâncias e em qual setor da população poderia ocorrer esse maior consumo.
Pesquisas têm apontado a percepção que a população tem do risco do uso da maconha como o fator mais importante na determinação do consumo. Um exemplo contundente ocorreu nos últimos anos nos EUA. No período de 1979 a 1992, houve um declínio acentuado no consumo da maconha entre os adolescentes americanos, e os dois fatores identificados que contribuíram para esse declínio foram um aumento do risco percebido do uso e um aumento na desaprovação do uso.
Durante esse período ocorria um debate constante na sociedade americana sobre a droga e criou-se um clima de desaprovação a uma droga que causa uma série de problemas, como aumento dos batimentos cardíacos, ansiedade, infertilidade, queda da atenção e da concentração.
A partir de 1994, começou a ocorrer um aumento substancial no uso dessa droga nos EUA, pois houve uma diminuição da ênfase no debate público sobre os seus efeitos negativos, devido ao fato de outras drogas, como a cocaína, passarem a receber maior destaque nas campanhas.
Se o deputado carioca tem a intenção de trazer essa planta para o Brasil com o intuito de melhorar a nossa produção industrial e participar no debate para alertar a população como um todo sobre os inúmeros malefícios, o seu consumo não deveria aumentar. Pois a própria Organização Mundial da Saúde reconhece que mesmo uma droga perigosa como a maconha pode ter um efeito benéfico e, por isso, liberou o uso de um de seus derivados para algumas doenças.
E esse não é um fato novo no mundo das drogas, pois se por um lado a heroína é usada como droga de abuso, por outro a morfina e seus derivados aliviam a dor de milhares de pessoas.
No entanto, se a intenção é promover a maconha como uma droga que deveria ser cada vez mais aceita socialmente, fazendo com que a percepção do seu risco seja minimizada, ou, pior ainda, tentar obter a legalização dessa droga pela porta dos fundos, ele estaria criando uma nova forma de terrorismo contra a saúde pública do Brasil.

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