São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O câmbio real

JOÃO SAYAD

O assunto é polêmico e delicado. Deus me ajude para que eu seja claro.
A indústria e a agricultura reclamam contra o atraso cambial desde julho de 1994. E têm razão. O câmbio não precisava ter caído a R$ 0,85 por dólar. Foi um erro caro para o país, que deve ser perdoado, embora não deva ser esquecido.
Desde março de 1995, o câmbio vem sendo corrigido em datas desconhecidas, por valores desconhecidos, pequenos e sempre positivos. É uma boa solução para evitar o agravamento do atraso, pressões inflacionárias ou indexação ligada à taxa cambial. Parece a melhor forma possível de correção.
Agora, com o Plano Real, o crescimento sem inflação ou com inflação baixa depende do crescimento das exportações e das importações. O que fazer com o câmbio para incentivar as exportações e tornar justa a competição das importações com a indústria nacional para crescer mais depressa?
Será que vale a pena dar uma maxi no câmbio ou desvalorizar mais depressa? Esta parece ser a proposta do professor Dornbusch, do ministro Delfim e do colega Paulo Nogueira Batista Jr. desta coluna.
Minha resposta é negativa. Vejam o que aconteceu com a liberação dos preços da gasolina. As taxas de inflação de abril, maio e junho ficaram muito maiores. É muito cedo para brincar com qualquer preço. Sai muito caro em termos de inflação.
Para exportar mais e importar corretamente, precisamos de taxa cambial maior em termos reais e permanentemente, ou seja, que estivesse garantida contra eventuais crescimentos de salário, passagens de ônibus, tarifas portuárias etc.
Precisaríamos de uma taxa de câmbio que incentivasse principalmente os investimentos em exportação. Ou seja, uma taxa de câmbio que demonstre aos industriais e agricultores que, se instalarem aqui uma fábrica de automóveis para exportação, as suas receitas e os seus preços serão invulneráveis a oscilações da taxa de inflação. Para isto é necessário uma taxa de câmbio a prova de inflação.
E evidentemente uma desvalorização cambial nominal, de 1 para 1,20, por exemplo, não garante nada disto.
Assim como o trabalhador brasileiro sabe que uma boa correção do salário mínimo não lhe permite saber qual vai ser sua renda real daqui a um ano, o exportador também sabe que uma boa desvalorização cambial não garante proteção das receitas reais daqui a um ano.
Para as exportações, a melhor solução seria uma taxa de câmbio como aquela que tínhamos entre 67 e 84, quando o governo anunciava que "exportar é a solução". Naquele tempo, quando os analistas de crédito chegavam à empresa, perguntavam logo qual era o volume de exportações. As receitas de exportação eram a garantia que a empresa tinha receita garantida, não sujeita às variações da economia brasileira e protegidíssima da taxa de inflação. Porque o câmbio era corrigido diariamente, desde 1967, e a prova de qualquer variação de preços.
Hoje, evidentemente, isto não é possível. Com democracia e liberdade sindical, se o câmbio for a prova de inflação porque indexado absolutamente, todos os preços tenderão a ser perfeitamente indexados e a inflação volta a galope. Precisamos segurar o câmbio nominal para combater a inflação, assim como foi necessário acabar com as leis salariais para segurar o salário nominal.
O que fazer para garantir câmbio real e estável para exportadores e industriais?
Só consigo imaginar uma coisa -garantir o maior volume de isenções fiscais aos exportadores. ICMS, IPI, Cofins, Pis Pasep nas vendas dos exportadores e nas compras de matérias-primas que realizam. Isenção de imposto de renda de pessoa jurídica, também. E ao mesmo tempo, onerar as importações da forma mais justa possível, com os mesmos impostos, inclusive os impostos em cascata (Pis Pasep, Cofins e Finsocial) que oneram a produção nacional.
É o máximo que pode ser feito nos próximos anos para garantir taxa real de câmbio maior. E não estaremos fazendo mais do que a obrigação, dar aos exportadores brasileiros o que os outros países dão aos seus, nesta guerra fiscal dos anos 90.
Desvalorizações mais rápidas poderiam apenas aliviar a renda dos agricultores no curto prazo, gerar algumas exportações industriais e nada mais. Não teríamos novos investimentos em exportação, que é o que precisamos.
E quem vai pagar as receitas tributárias perdidas pelos Estados? A consolidação das dívidas dos Estados, que hoje é problema agudo para todos os governadores e mais alguma receita transferida da união. A alternativa proposta custa algum déficit público adicional. Mas é dinheiro bem gasto.
Mais tarde, mas tão mais tarde quanto a prudência e a sabedoria indicarem, quando já estivermos cansados de inflações tão baixas e a inflação calculada pela Fipe for anunciada semestralmente e apenas na Hora do Brasil, poderíamos pensar em desvalorização cambial.

Texto Anterior: Vôo da abelha; Base ampliada; No Brasil; Parte do time; Nova empresa; No bolso; Procurando parceiro; Sócios potenciais; Retorno elevado; De volta; Marca registrada; Multa lavrada; Fora da ordem; Outros valores; Novo ciclo; Iniciativa própria; A todo vapor; Na cara
Próximo Texto: Por uma Susep forte
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.