São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 1996 |
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Morreu o roqueiro que era igual a nós
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Pierce foi líder do Gun Club, um perturbador grupo que unia o blues mais desesperançado a estilhaços de rock and roll. O Gun Club e Pierce nunca tiveram o reconhecimento da massa. Sua música incomodava demais para isso. Olhe para a desoladora cena do rock brasileiro. Veja aquela gente que cresceu tocando flautinha, escutando Caetano Veloso, posar agora de roqueiro, jaqueta preta e óculos escuros. Dá vontade de chorar. Mas, então, lembre que existiu na face da Terra um roqueiro/blueseiro tão honesto e visceral como Jeffrey Lee Pierce, que vale por uns 200 poseurs desses com que a gente cruza nas deprimentes madrugadas cariocas/paulistanas. Para começar, Pierce era um viciado em discos. Enquanto crescia na Califórnia, escrevia sobre música negra para a revista alternativa "Slash". No final dos anos 70, desenvolveu uma obsessão doentia pelo Blondie e sua estonteante vocalista, a ex-coelhinha Debby Harry. Perseguia Debby em hotéis. Na frente dela, perdia a noção das coisas. Acabaram ficando amigos (Debby jura que nunca rolou nada) e colaborando em discos um do outro. Em 1980, Pierce, já então uma enciclopédia ambulante de música pop, fundou o Gun Club com Kid Congo Powers (ex-Cramps, depois dos Bad Seeds de Nick Cave) no baixo. No ano seguinte, gravaram o LP "Fire of Love", até hoje a mais perfeita combinação de niilismo blueseiro com angústia punk já registrada em vinil. A essas alturas, os problemas de Pierce com álcool e heroína começavam a sair de controle. Não se sabe se a morte dele, na casa do pai na ultrapuritana Salt Lake City (Estado de Utah, EUA), está relacionada a drogas. Você provavelmente nem ouviu falar da morte dele. A revista "Rolling Stone" deu uma coluninha e tem alguma coisa circulando na Internet. Nada além disso. Foi por isso que eu quis falar hoje de Jeffrey Lee Pierce. Todos nós que gostamos de rock e perambulamos, sobrevivendo à própria existência, em busca de um significado para essa escrotidão toda, devemos alguma coisa a ele. Mesmo que nunca o tenhamos conhecido, nem ouvido sua música. Texto Anterior: Som pop latino faz a festa no Brasil Próximo Texto: "Thermos", Bailter Space; "Bleeding Star" JPS Experience; "Hellzapopin'", 3Ds Índice |
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