São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 1996
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Apagão

DARCY RIBEIRO

Venderam a Light. A empresa não me importa nada, mas me importa muito o riso dos banqueiros que a compraram.
Vão ganhar dinheiro a rodo. O povão pobre do Rio terá que custear seus lucros pagando o que não pode, nessa crise. Ou não pagando para viver no escuro.
Vejo as favelas do Rio apagando suas luzinhas tantas e tão modestas porque banqueiro cobra. Inclemente.
O mais terrível disso é que tudo se deve a uma fúria doutrinária. A equipe econômica do meu caro FHC o está levando a funduras por uma motivação principista.
A única certeza certa que eles têm na cabeça é que o mercado é a fonte do progresso e que o lucro é a mola do mundo. Isso significa que são socialmente irresponsáveis.
Nada lhes importa o desemprego e a fome que avassalam o país. Agora tiram até a luz do povão carioca.
A suposição insensata desses tecnocratas é que, nas mãos dos banqueiros, as empresas privatizadas vão pagar mais impostos ao governo, que assim terá dinheiro para fazer caridade.
Coisa improbabilíssima neste nosso país em que os ricos, inclusive os empresários, sempre conseguiram um jeito de não pagar impostos.
Além da tristeza dos pobres, a entrega da Light representa um retrocesso para o Rio. Os banqueiros não têm nenhum compromisso com o seu desenvolvimento autônomo. Sua ética é a do lucro embolsável.
Vi a Light ser comprada pelo governo porque a empresa canadense que a possuía era um fator terrível de atraso para o país.
Vi-a depois florescer sob a gestão de homens públicos de gerências nacionais altamente capazes.
Agora a retoma, pagando por ela uma parcela apenas de seu valor, metade em moeda podre.
Acresce ainda que impuseram ao banco das privatizações uma regulamentação das relações entre o governo e a nova Light privatizada estabelecida pelos banqueiros para não serem obrigados a nada.
Gozado é o fato para o qual chamo a atenção de FHC: o principal comprador é uma empresa estatal francesa.
Veja só, Fernando, para seus tecnocratas, tudo que vem lá de fora é bom, até estatais, que detestam aqui dentro.

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