São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 1996
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O governo não é o país

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Bastante infeliz a fala do ministro da Fazenda no final da semana passada. Passando recibo da derrota de FHC no Congresso, ele se saiu com uma pérola, dessas que só aparecem nos pronunciamentos dos regimes de força -o que ainda não é o nosso caso. Pedro Malan confundiu governo e país, grupo que está no poder e nação.
Não sou entendido em economia. Apesar de jamais ter feito uma abóbora, nem tentado fazer uma tangerina, sei diferenciar uma abóbora de um tamanco e posso afirmar se uma tangerina está podre ou não.
Daí que me considero autorizado a estranhar a empulhação que encobre a atual reforma da Previdência. Ela apresenta omissões e excrescências que a lei ordinária e a honestidade administrativa poderiam eliminar, atenuar ou corrigir.
A massa de empregados do país paga mensalmente o direito à aposentadoria -como se ela fosse um bem comprado a prestação. E ela é concedida como um favor, uma esmola do governo, que em princípio acredita que nada deve a ninguém.
A relação entre a contribuição e o benefício pode estar errada em alguns casos, mas o fato é que o governo, por meio da Previdência, arrecada respeitável volume de dinheiro. Se bem aplicado ao longo do tempo, esse capital daria para manter o compromisso.
O governo coloca essa arrecadação na caixa única do Tesouro Nacional e a usa como bem entende -e geralmente usa mal. Tal como acontece com os recursos do Fundo Social, o dinheiro que todos pagamos para adquirirmos determinado direito é usado até para comprar a goiabada que será servida no palácio presidencial.
Escalados pelo leviano abuso do governo, é natural que tenhamos receio e até mesmo ódio em pagar novos tributos, como esse que o ministro Jatene licitamente deseja para a saúde. Não é o imposto que é truculento. A sua destinação é que é problemática e, na maioria das vezes, criminosa.

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