São Paulo, terça-feira, 28 de maio de 1996
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Privatização, a hora de evitar escândalos

ALOYSIO BIONDI

Um escândalo sacudiu a Inglaterra em meados do ano passado. O povo inglês ficou sabendo, com indignação, que uma empresa do setor elétrico, privatizada quatro anos antes, estava sendo revendida por um preço quatro vezes maior. Ou US$ 4 bilhões, contra US$ 1 bilhão recebido pelo Tesouro (o povo).
Investiga daqui, investiga dali, acabou-se descobrindo que o prejuízo coletivo era muito maior, gigantesco: a venda do setor elétrico como um todo rendera uns US$ 8 bilhões ao governo (contribuintes) e, quatro anos depois, o valor das ações setoriais chegava aos US$ 25 bilhões.
No Brasil, além da "torra" de patrimônio público (nosso) vendido a preços de banana, a política de privatização a toque de caixa traz outros riscos.
Está havendo a criação de novos "rombos" para governo federal e Estados, pagos pela classe média e povão. E, ainda, aumentos de preços para o consumidor e frustração na expectativa de mais eficiência e melhores serviços.
Para não lamentar prejuízos amanhã, como na Inglaterra, sociedade e Congresso precisam rediscutir essa política.
Devem ressuscitar as propostas de entregar ações das empresas estatais (em troca do FGTS e do PIS) a trabalhadores de classe média e povão -conforme análises nesta coluna no último domingo.
Mito
A rapidez na privatização tem sido defendida por lideranças empresariais, sob a alegação de que grupos privados nacionais teriam condições de comprar as empresas.
Nem isso vem ocorrendo. A Light acabou "comprada" por uma estatal francesa -e com injeção de R$ 1 bilhão pelo governo brasileiro (com a "mão do gato"). O preço era alto? Lérias.
Lembre-se da "venda" da chamada malha Oeste, trecho ferroviário de 1.400 quilômetros que liga São Paulo a Mato Grosso, com interesse para o Mercosul.
O valor do seu arrendamento era ridículo, pífios R$ 60 milhões (com "m", mesmo). Por 30 anos. Ou R$ 2 milhões por ano. Quem arrendou? Um consórcio dos EUA.
Improviso
Governadores (acovardados) protestaram timidamente contra a privatização "esquartejada", isto é, venda de trechos de ferrovias, ou de usinas hidrelétricas isoladas etc. Qual é o problema?
Essa política de "venda" das estatais não se baseia em um plano para todo o setor, que leve em conta o funcionamento, integrado, de empresas e serviços.
Resultado: nem a eficiência nem as vantagens econômicas com a privatização serão atingidas. Ou, em outras palavras, haverá um custo "extra" que o contribuinte, o usuário e o país continuarão a pagar.
Novos rombos
Para vender as estatais, o governo (nós) vem assumindo parte colossal de suas dívidas, que poderiam ser pagas a longo prazo (15 a 20 anos).
Exemplo: no caso da CSN (Volta Redonda), o Tesouro engolia quase R$ 2 bilhões de dívidas. Agora, a equipe FHC/BNDES vem forçando os governadores (acovardados) a fazer o mesmo.
Rombos novos
A Fepasa, estatal paulista que vai ser privatizada, tem dívidas acumuladas de R$ 3 bilhões. Vão ser "engolidas".
Por quem? O Banespa (ele...) ficará com R$ 2 bilhões. E a empresa estadual responsável pelos trens de subúrbios, com R$ 1 bilhão. No fim das contas, o contribuinte (nós) vai pagar.
Sem caixa
O arrendamento da malha Oeste, de 1.400 quilômetros, renderá ao governo federal R$ 2 milhões por ano. A cifra é ridícula. O governo federal arrecada, em impostos, R$ 12 milhões. Por hora. Os R$ 2 milhões correspondem à arrecadação de dez minutos.
Sem investir
Os grupos privados deveriam investir nas empresas compradas, melhorando sua eficiência e qualidade de serviço.
No caso da malha Oeste, a equipe FHC/BNDES previa investimento de R$ 100 milhões para recuperar o trecho. No final das contas, o investimento caiu para R$ 30 milhões. Em seis anos. Ou pífios R$ 5 milhões por ano.
Preços
Às vésperas de privatizar a Light, o governo FHC elevou as tarifas de energia elétrica em 58% para a empresa. Assim como os preços do aço subiram 200%, foram triplicados, depois que siderúrgicas estatais foram vendidas a grupos privados.

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