São Paulo, terça-feira, 28 de maio de 1996
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O preço da contradição

LUÍS PAULO ROSENBERG

"Onde eu errei?" deve ser a pergunta que Fernando Henrique Cardoso se faz a cada derrota que lhe impõem seus pseudo-aliados nas votações do Congresso.
Dada sua proverbial vaidade, a dúvida deve tê-lo assaltado só há poucos meses, quando a desarticulação de sua ação se tornou gritante.
No início dos desentendimentos, o que dele se escutava era culpar o próprio Congresso, amontoado de egoístas sem noção de onde está o interesse da sociedade, tachando-os de suscetíveis de submissão aos lobbies em palestra a intelectuais mexicanos.
Com o tempo, a percepção dele evoluiu ao notar que faltava ao Executivo coordenação política. A falha foi, então, corrigida, com um enfoque mesquinho: partidos que até então não pertenciam à base parlamentar governamental poderiam ser cooptados, usando-se ministérios como moeda de troca.
Criou-se também um superministro de coordenação política, encarregado de usar ora o chicote, ora os torrões de açúcar, como se fora um domador de feras irracionais.
Embalde. Nem a revoada de empresários a Brasília foi capaz de trazer bom senso às votações no Congresso, como demonstraram cabalmente as derrotas da semana passada no projeto de reforma da Previdência.
"Onde eu errei?" deve continuar a se perguntar o presidente, agora com a humildade imposta pelo perigoso escorregão de popularidade em recentes pesquisas de opinião pública.
Em primeiro lugar, FHC errou ao não propor um pacote corajoso de reformas tributária, administrativa, previdenciária e de privatização.
Afinal, para tanto ele fora eleito: malhou nesses pontos durante toda a sua campanha e tinha a obrigação de saber o que fazer já no primeiro dia de governo, pois sua equipe já estava no comando da economia havia dois anos.
FHC tinha, portanto, a legitimidade para ser até mais agressivo do que Collor, que já havia provado que a um presidente recém-eleito ninguém se opõe, mesmo que ele congele 80% da liquidez nacional.
Ao se revelar sem um programa amadurecido de reformas, FHC revelou-se um gatinho, esfarelando a imagem do tigre temerário, que chegava para mudar.
O outro erro fatal do presidente foi ter cedido à exigência do governador paulista de manter o Banespa estatizado, com financiamento federal.
Naquele momento, FHC perdeu a coerência ao demonstrar que, após ter feito a intervenção num banco dessa dimensão sem ter uma estratégia clara de ação, atendeu ao capricho irracional de um aliado, que lhe pedia algo fundamentalmente avesso à lógica do Real.
Ao fazer essa concessão, o presidente abriu a porteira do absurdo. Se São Paulo pode ter seu Banespa, por que a Bahia não pode ressuscitar o Econômico? Por que o Rio Grande do Sul não pode impor que o Meridional continue federal? Por que Arraes não pode salvar o Mercantil?
Cada Estado sentiu-se no direito de batalhar por seu projeto de estimação. E, a cada nova concessão, maior a irritação dos desatendidos e mais fácil a união de interesses espúrios no Congresso para extrair do presidente incoerente mais uma concessão.
De que outra forma explicar o clima de confrontação que o único presidente da nossa história eleito em primeiro turno foi capaz de viabilizar?
O atual governo, no que se refere à legitimidade parlamentar, se parece muito mais com o de Sarney -presidente por obra do destino, não do voto, o que o obrigava a legitimar, continuamente, seu mandato no PFL e no PMDB- do que com o de Collor, este sim eleito por via direta, à semelhança de FHC.
Dubiedade de critérios, indefinição quanto aos objetivos e as decorrentes incongruências explicam o porquê do esvaziamento político do mais promissor governo que já elegemos.

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