São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 1996
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Os frutos certos

JANIO DE FREITAS

É difícil dizer se alguns dias no exterior facilitaram a percepção de uma tendência que o dia-a-dia anterior obscureceu, ou se, durante a ausência injustamente breve, os acontecimentos tiveram uma força nova. O fato é que a impressão de degringolada do presidente e do governo aparece com muita solidez.
O que é uma percepção aqui fora é, ao que se pode recolher, um estado presidencial e palaciano não muito distante, digamos, do pânico. Nem por isso, no entanto, as análises presidenciais da situação tornaram-se mais lúcidas do que as precedentes.
Os que discordaram das atitudes agora resultantes na degringolada foram, na visão intelectual de Fernando Henrique, os "burros, atrasados, os que ainda estão na década de 50". Agora, a explicação para a degringolada é "a imprensa", aí incluídos, ao lado dos jornais e revistas, as televisões e rádios. Nenhum desses, na análise de Fernando Henrique, escapa à obsessão de negar o muito que o governo tem feito no plano social. Daí viria o desgaste que o atinge.
Nos períodos de liberdade de imprensa, mesmo que relativa, não houve senão um caso em que os meios de comunicação fizeram tanto para elevar às culminâncias, e cercar de proteção, a imagem de um presidente. O que tem sido feito por Fernando Henrique só é comparável ao que foi feito por Collor na primeira fase de sua Presidência.
A análise de Fernando Henrique, segundo a narrativa de sua exposição no encontro "analítico" com sociólogos, economistas e similares, inverte os termos da evidência. Antes da queda crescente que vem sofrendo, seu prestígio como presidente alcançou e se manteve em boas alturas por obra dos meios de comunicação. Não há, em ano e meio de governo, um só ato governamental em que a sociedade pudesse identificar o atendimento, ainda que parcial ou incipiente, de alguma das suas aspirações fundamentais (a queda da inflação não é ato deste governo, tanto que nem foi incluída nos compromissos do candidato Fernando Henrique).
Se a sociedade não tem encontrado razões para sentir-se bem governada, e grande parte dela tem razões fortes para sentir-se hostilizada, o que acontece a Fernando Henrique e ao seu governo é apenas lógico. É a consequência coerente de um exercício da Presidência que se tem mostrado como soma de fisiologismo, nas ações políticas, e elitismo, nas ações administrativas.
Por mais que o desejassem, os meios de comunicação não tiveram como evitar inteiramente a exposição do caráter que o governo assumiu. Mas os problemas de Fernando Henrique e do governo não chegaram ainda ao nível de consequências lógicas do que foi por eles plantado até agora. Em muitos sentidos, o quadro já é muito mais grave do que o refletido pelos meios de comunicação. E a tendência perceptível é de maior e rápido agravamento.

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