São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 1996
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Exuberância não esconde falhas do filme

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao publicar, em 1857, o romance "O Guarani", José de Alencar (1829-77) criou um dos mitos fundadores da nacionalidade brasileira: o do selvagem puro e nobre com o qual é possível a harmonia e, no limite, a miscigenação.
Mais que isso: estabeleceu um motivo recorrente na nossa cultura, presente tanto na ópera como nas marchinhas de Carnaval. Esse livro-manancial, que até hoje "cai no vestibular", gerou no cinema pelo menos seis adaptações.
Foi nesse cipoal que Norma Bengell resolveu bulir. Fez um filme generoso e exuberante, ainda que repleto de defeitos. O principal deles tem a ver com a dificuldade de traduzir o universo fantasioso do romantismo de Alencar num meio de expressão intrinsecamente realista como o cinema.
Numa situação como essa, cumpre buscar logo de início a adesão do espectador pela emoção. Ou seja, é preciso fazê-lo crer no amor entre Ceci e Peri, por mais absurdo que esse amor possa parecer.
Aí começa a fraqueza do filme: os jovens atores que fazem o casal protagonista -Tatiana Issa e Márcio Garcia- são bonitos e aplicados, mas não conseguem transmitir nada que se assemelhe a amor, desejo ou ternura. Amarrados pelo texto um tanto empolado dos diálogos, declamam suas falas de um modo pouco convincente.
Os outros elementos do filme -a aventura épica que ruge em torno dos protagonistas, o romance paralelo entre a bastarda Isabel (Glória Pires) e o valente dom Álvaro (Marco Ricca)- carecem igualmente de consistência.
Há uma certa confusão narrativa. Um exemplo: dom Álvaro sofre um primeiro ferimento, seguido de uma copiosa agonia, mas não morre. Cenas depois, de repente, aparece morto, sem que tenhamos presenciado o golpe que o matou.
O que sobra? A fotografia e a direção de arte, que fazem jus à exuberância de Alencar, e boas cenas isoladas: a conversão ao mal do ex-frade Loredano, o hospital improvisado pelas mulheres, o sacrifício de Isabel a seu amado morto.
Se tivesse afinado melhor seus instrumentos, Bengell poderia ter feito uma envolvente aventura romântica, destinada sobretudo aos jovens. Faltou uma bússola para não se perder na selva.

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