São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 1996
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FHC e o xá

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Impressionante a banalidade das declarações do presidente da República na França. Na entrevista concedida ao "Le Figaro", para provar que a violência não é exclusividade do Brasil, ele informa que, ao tempo em que vivia na Inglaterra, ouvia dizer que alguns maridos batiam nas mulheres.
Pior foi a sua desculpa de que nada pode fazer porque é democrata e os juízes aqui no Brasil proferem sentenças absurdas. Vi na TV, domingo último, a famosa entrevista do antigo xá Reza Pahlevi a um jornalista americano, pouco antes de sua queda. O entrevistador bateu fundo -a cara do xá revelava desespero e respondia às perguntas na base do "nada tenho a perder".
Ao explicar a tortura que o seu regime institucionalizara no país, o xá disse a mesmíssima coisa que, tantos anos depois, FHC repetiria agora em Paris: os juízes do Irã davam sentenças "absurdas" e ele precisava intervir na estrutura da Justiça para alinhar o país às democracias ocidentais.
Como estamos lembrados, o xá era o baluarte do Ocidente no mundo islâmico, tinha nos Estados Unidos seu principal aliado e poderoso sustentáculo. Modernizou o Irã da mesma forma que o neoliberalismo de FHC está tentando modernizar o Brasil, alinhando-o à globalização. O xá considerava arcaico todo o sistema iraniano, a partir dele é que o sol voltaria a brilhar sobre a velha Pérsia.
Embora dizendo barbaridades morais e ideológicas, em nenhum momento o xá disse besteira. Essa de lembrar que na Inglaterra os maridos também sovam as esposas, só na cabeça dos intelectuais tipo FHC poderia justificar os massacres que traumatizaram o Brasil e o mundo.
Ora, direis, no Brasil não há mais tortura, como houve no Irã. Na mesma entrevista, FHC garantiu que o desemprego continuará crescendo. Tortura neoliberal em execução: seremos modernos morando sob os viadutos e morrendo por um punhado de terra.

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