São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 1996![]() |
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O monarca e a produtividade ANTONIO DELFIM NETTO Era uma vez um estranho país, governado por um monarca sedutor e valoroso. Os habitantes de um harmonioso vale tinham a mania de fabricar sapatos. Durante muitos anos desenvolveram essa arte e um dia foram visitados pelos economistas do Banco da Monarquia. Eles desejavam saber qual era a produtividade nessa indústria. Os habitantes tinham paixão pelo número 7, de forma que o número de indústrias que existia era exatamente esse. Pesquisando com os mais modernos métodos, os economistas chegaram aos seguintes números: Indústria/Núm. de trabalhadores/ Produtividade (pares de sapatos por homem/dia) A - 6 - 1 B - 23 - 2 C - 34 - 3 D - 17 - 4 E - 11 - 5 F - 6 - 6 G - 3 - 7 Pela análise dos fatos, os economistas concluíram que a produtividade média era de 3,3 pares de sapato por homem/dia. Todas as fábricas vendiam regularmente, com produtos obviamente diferenciados. De fato, as indústrias não serviam apenas ao mercado interno. Sua qualidade era boa e seus preços acessíveis, e elas exportavam para um outro mundo que se dizia "desenvolvido". Os economistas estranharam muito esse fato, que escapava à "racionalidade". Pesquisando, descobriram que isso era devido a uma "proteção" tarifária imposta para compensar uma taxa de juro interna mais elevada. Para compensar uma tributação que discriminava contra o produto nacional e contra a exportação. Para compensar o custo maior de energia. Para compensar o custo maior do transporte interno etc. Decidiram, então, cortar unilateralmente a tarifa e, para estimular ainda mais o aumento da "produtividade", sobrevalorizaram o câmbio. Rapidamente, estranhos habitantes de "outro" mundo vieram trazer os seus maravilhosos sapatos (lá subsidiados, de todas as formas: com energia barata, com juros baratos, com crédito farto e com câmbio subvalorizado) e impuseram grande aflição aos moradores do vale. Quando estes tentaram colocar o seu problema aos economistas, a resposta foi clara e "científica": vocês sempre foram incompetentes e sobreviviam porque o monarca era generoso! Pouco tempo depois os mesmos economistas foram fazer uma nova visita ao vale. Concluíram que 30% dos trabalhadores estavam desempregados (os das indústrias A e B, que haviam falido), mas que a produtividade tinha, de fato, aumentado. Sem aquelas indústrias a produtividade havia, misteriosamente, passado para quatro pares de sapato por homem/dia. Um aumento de 20% na produtividade, "apenas" quebrando duas empresas e pondo na rua 30% dos trabalhadores! Como o monarca tinha pouca intimidade com a aritmética, não foi difícil provar-lhe que a situação no vale melhorara muito e que o desemprego era coisa do "outro" mundo... Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna. Texto Anterior: FHC e o xá Próximo Texto: O risco da grandiloquência Índice |
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