São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A volubilidade de FHC e seus efeitos

FERNANDO PIMENTEL DE SOUZA

FHC ficou conhecido pelo adendo à "Teoria da Dependência Econômica": o comércio internacional favoreceria os países ricos, encarecendo produtos de ponta e desvalorizando produtos primários e pouco manufaturados dos atrasados, parecendo se manter, a não ser em casos monopolizados como o do petróleo, sendo aí vantagem estar no setor primário e não livrar-se dele.
Como é moda, FHC, além de esquecer seu trabalho, adota a globalização como inevitável e adorou a comenda "estadista do ano" em Nova York. Nem o neoliberal Bill Gates, da poderosa Microsoft, tem uma concepção tão angelical, pois a acha um meio para grandes empresas monopolizarem o mercado. Gates pregou a compatibilização quando pequeno, mas no "Windows 95" saiu na frente, criando incompatibilidade e falência para outras firmas, o que lhe valeu processos nos EUA, onde a fiscalização parece funcionar. Não vende hardware, mas software, conhecimento de ponta, cuja hora trabalhada é cada vez mais cara.
A globalização exige firmas de ponta e suas sementeiras em plena efervescência, centenas de milhares de cientistas e tecnólogos agindo com rapidez e renovando-se num prazo muito curto para uma delas se manter na dianteira. Mas, no Brasil, acontece o contrário, FHC descuida da preparação para a globalização. O presidente da Academia Brasileira de Ciências comparou nosso caso com o do Botafogo de Ribeirão Preto ao subir para a primeira divisão de futebol. Perguntados como enfrentariam o Santos de Pelé, responderam: "De igual para igual". Resultado: Santos 11 a 0.
O mais perverso da modernização é o desemprego, até no Primeiro Mundo -contrariando os ciclos econômicos da história-, agravado pelo baixo crescimento das economias. Mas bastou a CNBB criticar a globalização, logo FHC se pôs de acordo.
FHC fez carreira na esquerda, democrata-social, quase ministro de Fernando 1º, social-liberal, e, ultimamente, chamou-se de neo-social, afirmando nunca ter sido neoliberal.
Nhenhenhém à parte, a demissão de competentes servidores em massa, iniciada com Fernando 1º, continua com o 2º, levando o Banco Central à incapacidade de fiscalizar os bancos, a Aeronáutica à falta de técnicos para evitar acidentes como o dos Mamonas, os institutos de pesquisa e tecnológicos e universidades federais à perda de quadros competentes etc, afastando-nos do clube restrito dos privilegiados da globalização. Talvez FHC ache professores e pesquisadores universitários ociosos e insignificantes, como o velho liberal Smith, há 300 anos. É preciso reciclar, pois as últimas revoluções industriais foram feitas com cientistas e tecnólogos anglo-saxões.
Dizia estar com os mais pobres, mas, nas reformas da Previdência e administrativa, trata com austeridade a maioria dos funcionários mal pagos, sem aumento salarial em 96, procurando responsabilizá-los pelo déficit recorde no orçamento -5% do PIB-, causado pelo rombo de US$ 32 bilhões do serviço da dívida federal, mantendo os privilégios dos marajás. Parte da inflação está camuflada em dívidas públicas, que atingiram US$ 200 bi em 95 e prometem crescer mais em 96.
Com o Sivam/Sipam, quer dar US$ 5 bi para empregar bem os "pobres" dos EUA, apesar da advertência dos cientistas da SBPC. Encarece nossos produtos com royalties à distância pelo registro no exterior, o chamado "pipeline", ou aprovando patentes de microorganismos, liquidando os retardatários com prejuízo ao país em mais de US$ 2 bilhões, segundo o cientista Kerr.
O "custo Brasil" não vem dos salários e encargos, execrados nos contratos temporários, pois o total é um dos mais baixos do mundo. Trata-se de alguns gargalos da tributação irracional, em que os mesmos pagam cumulativamente -sequestrando recursos dos "bodes expiatórios" e não fazendo a reforma tributária para arrecadar dos que não pagam impostos e até investir no crescimento, corroborando Gomes e Unger.
Na universidade, ensina-se ao aluno aceitar as críticas corretas, absorvendo-as. Além de ter renunciado seu passado, FHC perdeu até esse cacoete. Sistematicamente repele seus críticos; sem seu histórico, fica despersonalizado e não corresponde à imagem do cientista cuidadoso que fez passar ao seu eleitor -como eu, frustrado. As promessas do candidato não decolaram, exceto o controle da inflação, vindo de Itamar, que não será consolidado se as reformas forem casuísticas e não doutrinárias. Não estamos cobrando de FHC o ideal; opções realizáveis, de interesse nacional, não podem ser renunciadas ao sabor de acordos "políticos", de "democracia" não-representativa etc.

Texto Anterior: O risco da grandiloquência
Próximo Texto: Sesi; Dúvida; Protesto; Condenação implícita; Pedido; Solução; Habitat
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.