São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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O mito da globalização

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O brasileiro anda fascinado pelo tema da globalização. Ninguém sabe direito o que significa, mas todos estão certos de que se trata de uma novidade de grande importância.
Não passa uma semana sem que eu receba algum convite para participar como expositor, debatedor ou ouvinte de algum seminário sobre essa momentosa questão.
Os promotores desse tipo de evento já perceberam que a palavra tem um charme irresistível para os brasileiros, eternos provincianos que somos, sempre ávidos pelas últimas novidades ou pseudonovidades fabricadas nos países mais avançados.
Quando se organiza uma conferência sobre, digamos, "Aspectos Internacionais da Questão da Mulher", aparecem 20 ou 30 gatos pingados. Mas, se o tema é "A Globalização e a Questão da Mulher", aparecem centenas de curiosos. Naturalmente, a substância da discussão não muda um milímetro, mas a platéia sai convencida de que assistiu a uma discussão diferente e inovadora.
A mágica da palavra globalização corresponde, como se sabe, à percepção generalizada de que há um processo em curso que domina de maneira inexorável a economia mundial e tende a destruir fronteiras nacionais. Os Estados nacionais estariam em crise ou declínio irreversível. Em fase de extinção, para alguns mais afoitos.
Assim entendida, a globalização é um mito. Um fenômeno ideológico nada sofisticado, que serve a propósitos os mais variados. No plano editorial, por exemplo, ajuda a vender jornais, revistas ou livros superficiais. Nos planos econômico e político, contribui, por exemplo, para apanhar países ingênuos na malha dos interesses internacionais dominantes.
No plano cultural, a globalização é um codinome para americanização, para a difusão em escala planetária das vulgaridades que a sociedade americana produz em profusão.
E o brasileiro, com seu deslumbramento provinciano, mentalidade colonial e crônica desinformação sobre temas internacionais, é um candidato natural, nato e até hereditário a desempenhar o papel de otário nessa história.
É claro que, como toda ideologia de sucesso, a globalização tem um substrato de realidade.
A ninguém escapa a extraordinária velocidade do progresso técnico em áreas como telecomunicações e informática, a crescente integração comercial e financeira, a internacionalização dos próprios processos de produção em muitos setores etc.
Mas temos que nos resguardar contra a carga de fantasia e mitologia construída em cima desses fenômenos reais.
Na verdade, o alcance da globalização é muito menor do que sugere o falatório a que estamos submetidos. Peço a atenção do leitor para alguns números.
Em trabalho recente, o grande economista argentino Aldo Ferrer lembrou que, apesar da globalização, o peso dos mercados internos continua fundamental. Na economia mundial, a demanda interna dos países absorve cerca de 80% da produção e gera 90% dos empregos. A poupança doméstica financia mais de 95% da formação de capital.
Mesmo no terreno financeiro, a globalização é muito mais limitada do que sustentam os seus arautos. O célebre economista americano Martin Feldstein destacou, em artigo recente, que o mercado mundial de capital permanece segmentado por critérios nacionais.
"A maior parte da poupança fica nos países de origem", observa ele, "e muito do capital que se move internacionalmente está buscando ganhos temporários e se desloca rapidamente quando as condições mudam."
Por isso, o investimento produtivo continua dependendo fundamentalmente da geração de poupança interna.
Essa observação é confirmada por dados apresentados em relatório do FMI. Os fundos de pensão dos EUA, por exemplo, têm apenas 6% dos seus ativos totais fora do país. Os da Alemanha, 5%. Os do Japão, 9%. As companhias de seguro de vida dos EUA têm 4% do seu portfólio em ativos estrangeiros. As da Inglaterra, 12%.
A conclusão do FMI é que "a tendência geral na direção da diversificação internacional é ofuscada pela pequena participação dos títulos estrangeiros nos portfólios dos investidores institucionais".
Se nós, brasileiros, quisermos ir além da propaganda, um bom começo talvez seja aproveitar o que a "globalização" tem de positivo. Por exemplo: a maior facilidade de acesso a análises e informações sobre o que acontece de fato no resto do planeta.
É pedir demais?

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