São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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Morto, o belo ainda sobrevive

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tornou-se impossível na nossa época legislar sobre o que é belo. A própria tentativa de formular uma teoria estética perdeu o sentido, mas, paradoxalmente, o sentimento do belo sobrevive, seja subjetivamente em cada um de nós, seja como parâmetro coletivo de nossa cultura.
Essa aporia pontuou do início ao fim o debate sobre "O Belo", tema dos "Diálogos Impertinentes" que reuniu anteontem o poeta, ensaísta e professor da FAU-USP Décio Pignatari e o professor de estética da Faculdade de Educação da USP Celso Favaretto.
O evento, promovido pela Folha, pela PUC-SP e pelo Sesc, foi mediado pelo jornalista Caio Túlio Costa, diretor do Universo Online da Folha, e por Mario Sergio Cortella, professor do Departamento de Teologia da PUC-SP.
Desde o início ficou explícita a dificuldade do tema. "O belo hoje não é mais critério da arte. Há pelo menos 50 anos, o problema dela é o de não encontrar meios para exprimir o que deveria ser dito", disse Favaretto.
Pignatari sustentou que há um descompasso na noção de beleza conforme a esfera a que se aplica. "Por que ao comprar um tecido, a senhora escolhe entre padrões abstratos e, quando vai ao museu, não entende a pintura abstrata e tem horror ao ver uma figura distorcida?", perguntou.
Muitas vezes irônico, o poeta arrancou risos seguidos da platéia com frases e tiradas de efeito. Citando a famosa frase "não li e não gostei", de Oswald de Andrade, disse: "É o que acontece comigo em relação ao adoradíssimo Paulo Coelho". A seguir, criticou Oscar Niemeyer. "Brasília é uma Disneylândia, ele gosta de fazer circo", disse, sustentando que os projetos do arquiteto são virtualmente inabitáveis e desconsideram critérios de funcionalidade.
O mediador Caio Túlio surpreendeu dizendo que estavam todos ali discutindo o belo "sobre um cemitério". Sustentou que a arte há muito havia esgotado suas possibilidades técnicas e inovadoras e não passava de um amontoado de "maneirismos", meras repetições caprichosas.
"Depois de Mozart não há música, Beethoven é uma espécie de operador de sistemas, como depois de Cézanne não há pintura", disse. O mesmo se aplicaria ao romance, que teria se esgotado após "Ulisses", de James Joyce.
A colocação foi refutada pelos debatedores. Décio Pignatari, citando dois exemplos, disse que, na pintura, "o surrealismo, posterior a Cézanne, introduziu o tempo dentro do espaço", pela simultaneidade, e, na música, Anton Webern "espacializou o tempo ao jogar com grandes intervalos de silêncio intercalados por sons que funcionavam como cachos soltos no espaço, manchas visuais".
Favaretto lembrou que os exemplos citados pelo mediador adotavam um "critério louco", já que colocava lado a lado Mozart e Joyce, separados por mais de cem anos. "É uma enumeração bonita por ser caótica, borgiana", disse.
Como adiantou Pignatari, logo no início do debate, o problema do belo permaneceu "em aberto".
FERNANDO BARROS E SILVA

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