São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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MAQUIAVEL COM NEWTON

Virtudes, ventura e técnica. Esses são os atributos ideais de um político ou de um "ministeriável". A nomeação do deputado Antônio Kandir (PSDB-SP) para o Planejamento é uma boa oportunidade para avaliar se esses atributos são preenchidos.
Maquiavel definia o príncipe como alguém habilitado a combinar virtudes e "fortuna" (sorte ou ventura).
No campo das virtudes, o ex-secretário de Política Econômica da ministra Zélia, do governo Collor, tem pontos a seu favor. Mesmo levando-se em conta sua participação naquela malfadada gestão em que malogrou um dos planos antiinflacionários de execução mais desastrada de que se tem notícia.
Mas Kandir contou pontos positivos ao declarar, naquela época, que fora eleitor de Covas e Lula. A franqueza não é habitual em política, mas, em especial no contexto brasileiro, pode ser bastante virtuosa. O então secretário de Política Econômica destoava também da arrogância típica de Collor e Zélia, mostrando-se virtuoso mesmo quando tentava explicar o inexplicável.
A "fortuna", ou boa sorte, que para Maquiavel era outro ingrediente essencial do sucesso político, recaiu sobre Kandir como sobre os tucanos em geral. Político hábil e negociador, ele não chegaria ao ministério se o tucano-mor, FHC, não tivesse ele mesmo se beneficiado do destino tortuoso do governo Itamar Franco.
Maquiavel, entretanto, era um filósofo anterior à sociedade industrial. Hoje, além de virtuoso e afortunado, o bom político precisa ter também um pouco de Newton. Destacar-se no domínio de uma técnica, como a saúde, o direito, a engenharia, a economia e, porque não, a sociologia, tornou-se um atributo igualmente valioso. Kandir sempre se destacou como economista e como deputado-economista e, mesmo como secretário de Política Econômica, foi afinal também um dos artífices da abertura econômica que, criticada à época, revelou-se como um dos instrumentos cruciais da modernização recente da economia brasileira.
O homem certo, na hora certa, no lugar certo? Por mais que se consiga combinar Maquiavel com Newton, a atividade política é e será sempre o terreno do imponderável e do conflito entre interesses, quase sempre amargo e impiedoso.
Na economia brasileira, hoje, esses conflitos são enormes. O novo ministro do Planejamento, pela sua personalidade e passado, deve contribuir para reduzir a tensão dentro da equipe econômica.
Especialmente no atual momento político brasileiro em que, além de Newton e Maquiavel, invoca-se com frequência São Francisco de Assis.

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