São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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Raízes do Brasil

HÉLIO SCHWARTSMAN

É sempre bom e útil manter-se atualizado acerca da bibliografia básica para entender o que acontece com o governo. A primeira e mais urgente obra a ser lida é "Ascensão e Queda do Império Romano", de Edward Gibbon. Afinal, conhecer o passado é uma das melhores formas para tentar compreender o presente. A diferença entre o texto do grande historiador inglês e o atual governo brasileiro é que o primeiro abarca um período que vai do século 2º d.C. até 1453 (a tomada de Constantinopla), ao passo que o segundo vivenciou idêntico processo em menos de um ano e meio. É uma disparidade de apenas cerca de 1.350 anos.
Para a análise do fenômeno do lançamento da candidatura do ministro José Serra à Prefeitura de São Paulo, a indicação é "A Comédia dos Erros", de William Shakespeare. As confusões, idas e vindas foram tantas que o pobre PSDB acabou se desencontrando de seu irmão gêmeo, o PFL.
E, já que a palavra preferida do governo é "processo", vale a pena ler "O Processo" de Kafka. No capítulo final o herói, Joseph K., é executado sem nem mesmo saber qual foi o seu crime -que, aliás, não cometeu-, procurando ainda desesperadamente por ajuda. Uma outra obra do mesmo autor que retrata, ou melhor, deveria retratar os gabinetes de alguns parlamentares é "Colônia Penal".
Uma vez que o assunto são livros, não se pode deixar de refletir sobre o episódio das obras supostamente didáticas -aquelas mesmas que afirmam bobagens como "o urubu se alimenta de carniça e voa para a camada de ozônio"-, cuja lista o ministro da Educação vem resistindo em divulgar. Já que o ministro não mostra a lista, eu tampouco vou recomendar um livro, mas censurar um. Para não ter de enfrentar uma crise neuronial, não abra, mas absolutamente não abra a "Lógica", de Aristóteles.
E às vezes o pessoal lá em Brasília se afasta tanto, mas tanto da realidade que para entender o fenômeno só existem duas maneiras: uma, que eu não posso recomendar porque é ilegal e faz mal, seria uma boa dose heroína; fica então a sugestão de ler "Confissões de um Inglês Comedor de Ópio", de Thomas De Quincey.
Mas não é só o governo que anda meio paradão. A oposição também não está fazendo nada, talvez atônita pela capacidade da atual coalizão de poder de opor-se a si mesma. Os partidos que se contrapõem aos projetos do Planalto deveriam buscar inspiração em "O Ser e o Nada", de Sartre.
Já para os pobres brasileiros comuns que nada têm a ver com o governo ou com a alta política, há duas alternativas. Os pessimistas ou agnósticos podem tentar consolar-se com "A Náusea", do mesmo Sartre. Para os otimistas ou mesmo aqueles um pouco mais crentes, resta a Bíblia e muita, mas muita reza mesmo.

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