São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 1996
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Capitão-do-mato

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A opção pelo neoliberalismo, último recurso inventado pela direita para criar, alimentar e manter privilégios, fez com que o atual governo se convertesse à modernidade mais caduca das elites de todos os tempos. Ou seja: colocar o Estado como capitão-do-mato a serviço dos interesses da Casa Grande.
Como qualquer estudante de direito sabe, a idéia da criação do Estado nasceu da necessidade de administrar e equalizar as diferenças sociais. Evidente que isso custa dinheiro, pode causar déficits e, eventualmente, um pouco ou muito de inflação. É o preço, o custo social da sociedade que pleonasticamente só é sociedade na medida em que é social.
O neoliberalismo, que é o capitalismo exacerbado, truculento, que tem como único objetivo o lucro e como o único referencial o mercado, coloca a prioridade do Estado no acerto das contas, na eficiência dos agentes econômicos, reduzindo o Estado a uma espécie de Coca-Cola, de IBM, de Microsoft, cuja finalidade é produzir mais por custo menor e lucrar muito para investir na capacidade de produzir cada vez mais.
No fundo, exposta com a simplicidade de um ignorante em economia, aí está a sabedoria neoliberal reduzida a seu chassi. Como a sociedade é constituída de seres humanos e não de garrafas de refrigerantes, seres que precisam de escolas, hospitais, casas, empregos, segurança e lazer, o Estado neoliberal se reduz a policiar a "produção", submetendo-a ao mercado.
Para obter tal submissão, é indispensável o capitão-do-mato. No tempo da escravidão, competia ao capitão-do-mato garantir a eficiência e a placidez da Casa Grande, policiando os escravos, castigando-os no pelourinho e, em casos de fuga, perseguindo-os até a morte.
Custava caro à Casa Grande manter uma equipe de capitães-do-mato. Mesmo assim, era mais barato, era mais neoliberal do que manter o Estado.

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