São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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Reforma definitiva é a da Constituição

MAILSON DA NÓBREGA

A dificuldade de aprovar as reformas e a impaciência com a demora no ajuste fiscal têm estimulado sugestões de caminhos alternativos.
Tem gente propondo que o governo abandone as propostas em tramitação no Congresso e adote medidas por meio de decretos, projetos de lei ou medidas provisórias.
Tudo isso porque se esvai a esperança de que FHC conseguisse aprovar rapidamente as reformas constitucionais. O processo é mais difícil do que se imaginava.
A aposta em um curinga, o presidente, foi exagerada, como agora se vê. A dura realidade está aí: a reforma é uma tarefa ciclópica, que consumirá muito mais de um período de governo.
O erro foi alimentar expectativas grandiosas sem considerar a crônica ineficiência do Congresso em decidir sobre questões complexas, mesmo quando os temas contam com o interesse majoritário da sociedade.
Na realidade, a lógica da atuação da maioria dos parlamentares costuma ser distinta daquela que a opinião pública deles espera. Por cima disso, não temos partidos políticos dignos desse nome nem regras de incentivo à decisão.
No Brasil, em vez de proteger as minorias, as normas atribuem-lhes poder excessivo, permitindo-lhes bloquear o processo legislativo ou impor seus pontos de vista às maiorias.
No Congresso, o voto obedece, em geral, a interesses eleitorais imediatistas. Os membros das bancadas corporativistas acham que foram eleitos para defender interesses de grupos privilegiados.
O clientelismo não está só na resistência às reformas. A ele se somam o anticapitalismo de parte da oposição e certas posturas pré-capitalistas das hostes governistas.
As barreiras às reformas são, assim, imensas. Em alguns casos, o estágio atual do sistema político não permite transpô-las. Certos temas não podem nem sequer ser colocados. É o caso, por exemplo, dos arcaísmos da Justiça do Trabalho.
Assim, há empresários sugerindo que, em vez de esperar pelo Congresso, o governo diminua rapidamente os juros, amplie o crédito e desvalorize a taxa de câmbio. Economistas pedem imediato ajuste fiscal.
Infelizmente, não parece estar ao alcance imediato do governo nenhuma dessas saídas. As medidas restritivas vieram justamente da ausência das reformas. O ajuste fiscal satisfatório é impossível se a Constituição determina o gasto obrigatório de mais de 90% das receitas.
Não existe alternativa definitiva fora das mudanças na Constituição, a grande responsável pela cristalização de nossas principais distorções sociais e econômicas.
Por exemplo, é impossível desonerar duradouramente as exportações sem acabar com as incidências em cascata, ao lado de um dispositivo constitucional que as torne imunes à tributação indireta.
Não há como resolver o desequilíbrio da Previdência sem erradicar os privilégios encravados na Constituição. A modernização do serviço público jamais acontecerá sem a flexibilização prevista na atual proposta de reforma administrativa.
É verdade que o governo pode avançar em áreas que independem de alteração constitucional. Acelerar privatização, reforma dos portos e modernização da administração tributária e do sistema aduaneiro nada tem a ver com Constituição.
É necessário um novo marco regulatório. O governo não irá longe na privatização de certos serviços se mantiver a regulação burocrática do passado. Infelizmente, o sinal na área de energia elétrica é o da preservação do status quo.
Em tese, é possível ampliar, por lei complementar, a não-incidência do ICMS nas exportações, com base na própria Constituição (artigo 155, inciso 12, alínea "e").
Por essa fresta, o deputado federal e futuro ministro Antônio Kandir tentou passar projeto específico. É difícil, entretanto, que a proposta ganhe o apoio dos Estados, que será decisivo.
Como se vê, há muito o que fazer. Tudo ajuda. Não há, todavia, como restaurar um regime fiscal sadio nem vida perene para o Plano Real sem a eliminação dos principais equívocos da Constituição de 1988.

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