São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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Ainda podemos salvar o Plano Real

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA

A tentativa de acordo político entre lideranças empresariais e trabalhistas em favor das reformas estruturais pode não prosperar, mas é justificável.
O Plano Real, a mais bem-sucedida experiência de estabilização da economia brasileira, corre o risco de se transformar num grande fracasso porque não estamos sendo capazes de completar a sua arquitetura, criando o suporte institucional que pode assegurar-lhe a permanência. O suporte são as reformas estruturais.
A engenhosidade do plano choca-se hoje com a incapacidade da classe política de se entender acerca de questões essenciais -ou por falta de compreensão da lógica do processo, ou por oposição política, comodismo ou mero interesse fisiológico.
Seja pela razão que for, se o plano malograr, a sociedade vai ter de pagar um preço muito alto.
Taxas de inflação de 1% ao mês e até menos, como as que têm sido medidas ultimamente, eram inconcebíveis até há pouco e ainda não são encaradas como conquista permanente -o que é compreensível para quem viveu tempo demais num ambiente em que se perdera a noção do valor das coisas.
O ceticismo quanto à permanência dos resultados não se explica, contudo, apenas por uma atitude psicológica negativa.
Quem analisa objetivamente o quadro econômico sabe que não há chances de assegurar a estabilidade sem que se remova, por meio das reformas estruturais, o entulho que impede o funcionamento normal do país.
Essas reformas -que constituiriam a última etapa do plano de estabilização- têm alimentado o discurso do governo, de políticos, economistas, empresários e trabalhadores, com graus variados de racionalidade e resultados sofríveis.
O início do processo de votação das emendas à Constituição foi animador: aprovaram-se a chamada flexibilização dos monopólios do petróleo e das telecomunicações -setores mais sensíveis ao discurso nacionalista-, a abertura da navegação de cabotagem e a mudança do conceito de empresa de capital estrangeiro.
A reforma da Previdência, posta em discussão mais recentemente, parece caminhar para uma solução de consenso mais comprometida com os problemas de caixa do que com a sobrevivência do sistema a longo prazo.
A virtual paralisia do Congresso Nacional -que, no seu conjunto, parece não se interessar pelas reformas, não entendê-las ou não querer fazê-las- ameaça desmontar as expectativas mais otimistas motivadas pela fase inicial de estabilização. Não é difícil entender por quê.
Com a abertura do mercado, nossas fragilidades ficaram mais evidentes e descobrimos que não podemos conviver bem com o mundo tendo uma infra-estrutura econômica obsoleta e cara, um sistema tributário suicida, um setor público desorganizado, uma Previdência falida, um Estado excessivamente intervencionista -enfim, andando na contramão do capitalismo.
Esses problemas -cujos efeitos na economia se convencionou resumir, apropriadamente, na expressão "fator Brasil" ou "custo Brasil"- foram estudados exaustivamente nos últimos três ou quatro anos nos meios acadêmicos e empresariais, e as propostas resultantes, encaminhadas ao Legislativo, refletem o conhecimento e a experiência de quem lida com eles no mundo real.
São problemas de tal magnitude que só com reformas de natureza estrutural poderemos resolvê-los.
Sem isso, estaremos preservando as condições para, infalivelmente, desmantelar tudo o que conseguimos até agora, retomando o calvário da inflação, sabe Deus a que preço. Evitar isso exige apenas vontade política.

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