São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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O sargento Quisan

LUÍS NASSIF

O clima feérico do futebol é dado cultural fundamental na alma brasileira. Todos somos torcedores, seja do que for. Quando se trata do poder, então, nem se fala. Desde os tempos imemoriais de Delfim x Dias Leite, de Simonsen x Velloso, há uma tendência compulsiva de transformar toda questão econômica em disputa esportiva.
É o que explica o clima de torcida organizada que se montou em torno da presumível disputa entre o ex-ministro do Planejamento José Serra e o diretor do BC Gustavo Franco.
Só que, em vez do exercício claro e transparente da opinião, usa-se o álibi das "altas fontes" para se dar tiros a torto e a direito.
Quem vai questionar o que foi dito por um fantasma, sem CIC, RG, nome ou cargo, que atende pelo solene nome de "fontes do Palácio"?
Recentemente, a torcida organizada Serra e a torcida organizada Delfim Netto (sem a participação de seus patronos) espalharam que Franco era uma estrela em queda.
Pode-se atribuir a Franco inúmeros pecados e pecadilhos -como a própria coluna tem feito. Pode-se tratar sua impetuosidade como voluntarismo ou reconhecer o seu brilho -como a própria coluna tem reconhecido.
Na parte que interessa, o apoio do presidente da República continua intacto. Portanto, Franco continua firme como uma rocha.
O troco da torcida organizada Gustavo Franco foi dado agora, na saída de Serra.
A indicação de Serra para candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo era crucial para o partido e para o Real.
Em São Paulo, para reverter eventual debandada de aliados tucanos para as hostes do PPB; no plano federal, pelo fato de as eleições paulistanas serem plebiscitárias.
Se a candidatura foi reconhecida por todos os analistas políticos como a única saída do PSDB, como admitir interpretações de que a indicação teria sido um álibi para alijá-lo do ministério?
Seria o mesmo que um novo rico, cheio de remorsos, alegar que comprou uma Ferrari para valorizar sua garagem.
Qualquer analista sabe que a principal característica de Serra é sua obsessão pelo controle do déficit público.
Reside aí a principal fonte de elogios e de críticas que Serra tem carregado pela vida afora. Ele sabe que os estouros de 95 nada têm a ver com decisões de política econômica tomadas no ano passado no âmbito do Planejamento.
O fantasma que passou a informação foi (mais uma vez) uma "fonte do Palácio". Que fonte? Uma fonte isenta ou um adversário do ex-ministro? Uma fonte de primeiro escalão ou um técnico de terceiro? Uma fonte bem informada ou um palpiteiro?
Se a fonte não corre riscos com o que diz (porque não se identifica) nem o jornalista (porque quem diz é a fonte), como se exerce o controle de qualidade da informação?
Até hoje em Brasília paira o espectro do sargento Quinsan -um auxiliar do general Golbery do Couto e Silva. Jornalista graúdo falava com o general. Quem não tinha acesso ao general falava com o sargento. Os leitores recebiam matérias quentíssimas atribuídas a uma "fonte do Palácio", que era o general Golbery, e matérias furadíssimas atribuídas a uma "fonte do Palácio", que era Quinsan.
Cada leitor que escolhesse a fonte que quisesse. No escuro. É o jornalismo obra aberta.

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