São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 1996
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Yo Yo Ma mostra nova voz do violoncelo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O violoncelista Yo Yo Ma, 40, é uma das grandes e boas surpresas da nova geração de instrumentistas clássicos.
Nascido na França, filho de chineses e hoje fixado nos Estados Unidos, ele se apresenta quinta e sexta da próxima semana, em São Paulo, na temporada da Sociedade de Cultura Artística.
São antológicas suas leituras de Schumann ou Brahms, a diferenciação interpretativa que ele dá às seis suítes para cello de Bach e seu empenho na divulgação de compositores contemporâneos.
Eis os principais trechos da entrevista que ele deu ontem à Folha, por telefone, de Nova York.
*
Folha - Alguns críticos afirmam que sua grande particularidade está na dosagem correta de técnica e sentimentos. É verdade?
Yo Yo Ma - Algumas pessoas fazem a separação entre técnica e sentimento. Mas, a meu ver, as duas coisas formam uma unidade.
Discordo da idéia de que é preciso estudar arduamente um instrumento durante muitos anos para adquirir a técnica, e só então se sentir liberado para que a dimensão emocional possa se apropriar da interpretação.
Folha - O fato de ser em parte descendente da cultura oriental não daria a suas interpretações uma orientação diferenciada quando entram os sentimentos?
Ma - Por ter nascido na França, por ter um pai chinês e por ser hoje cidadão norte-americano, creio que sou beneficiado por uma mistura idêntica à que talvez possa existir no ecletismo cultural brasileiro. Em meu caso pessoal, cada uma das culturas que me formaram concebe a si própria como singular e fabulosa.
Particularmente, isso significa que tenho, de um lado, mobilidade para transitar de uma cultura para outra. E, de outro lado, talvez consiga mergulhar por portas culturalmente diferenciadas na interpretação, digamos, de uma suíte para violoncelo de Bach.
Folha - Falemos sobre essa idéia de mergulho. Um músico hoje mergulharia de maneira diferente da que ele fazia há 30 ou 40 anos?
Ma - Muitos, e é o meu caso, colocam com frequência esse problema. Vamos nos fixar a um único aspecto: num passado recente, os músicos viajavam bem menos do que agora. Estavam, então, menos permeáveis às influências culturais que poderiam enriquecer sua maneira de interpretar.
Mas os que viajavam permaneciam mais tempo nos países em que se apresentavam. Ainda, pela própria lentidão das viagens, eles acabavam tendo mais tempo para digerir as influências recebidas.
Talvez, então, hoje muitos tenham mais acesso a essas influências, mas elas são por certo mais superficiais. Marcam bem menos a interpretação.
Folha - O sr. concordaria com o fato de o violoncelo ser hoje um instrumento "na moda"?
Ma - Se o violoncelo é hoje mais popular do que já foi, isso se deve ao trabalho feito por músicos como Casals, Rostropovitch, Jacqueline Du Pré. Mas não estou certo de que haja propriamente um modismo, no sentido mundano.
É agradável saber que hoje mais pessoas estudam o instrumento e, para mim, talvez estranho perceber o quanto a imagem do violoncelo se tornou frequente na fotografia de publicidade. Há uma atração pela "voz" do violoncelo.
Folha - O sr. possui dois instrumentos, o Stradivarius de 1712 e o Montagnana de 1733. Em que eles diferem em termos de "voz"?
Ma - O Stradivarius é mais tenor, o Montagnana é mais barítono. O primeiro é mais "culto" e o segundo mais "terra-a-terra". Eu toco seguidamente durante um ano com um desses instrumentos e, no ano seguinte, passo a tocar com o outro. Cada um deles me dá uma dimensão da música que procuro expandir.
Folha - Por qual razão, a seu ver, o público resiste ao repertório contemporâneo e aprecia bem mais o romantismo?
Ma - Há a meu ver uma razão histórica precisa. A Segunda Guerra Mundial destruiu em muitos países o sentimento de esperança. E, sem ele, é difícil compor música. Esse sentimento está aos poucos de volta. Há então potencialmente maior empatia entre a música contemporânea e o público de concerto.

Concerto: Yo Yo Ma (violoncelo) e Jeffrey Kahane (piano)
Onde: Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/256-0223)
Quando: quinta (6) e sexta (7), às 21h
Programa: Schumann, Crump, Schubert, Messiaen, Franck, Bach, Beethoven, Falla e Piazzolla
Quanto: ingressos esgotados, exceto para estudantes (R$ 20,00), 30 minutos antes de cada espetáculo

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