São Paulo, sábado, 1 de junho de 1996
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Paternidade responsável

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O Brasil tem, desde janeiro, a nova lei da paternidade responsável e da regulamentação do planejamento familiar, a qual não despertou grande interesse público, mas merece atenção. A expressão "paternidade responsável" está no artigo 226 da Constituição, sendo repetida na lei, embora não seja politicamente correta. Pais são o homem e a mulher, mas paternidade insinua a preponderância (ao menos etimológica) do homem, sugerindo emenda que substitua o referido termo por "reprodução humana responsável".
O planejamento legal compreende apenas o conjunto de ações de regulação da fecundidade. O adjetivo visado consiste em garantir direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. O objetivo, indicado no artigo 1º da Lei nº 9.263, de 12 de janeiro deste ano, tem uma consequência paralela. Passa a desautorizar a separação contenciosa se um dos cônjuges quiser filhos e o outro não. A lei reconhece a decisão individual da mulher e do homem de não ter filhos, o que antes parecia inviável. Abre, com isso, uma dúvida sobre sua constitucionalidade, de vez que a Constituição apenas permite, no artigo 227, a "livre decisão do casal", não admitindo, pois, a decisão individual.
O direito, atribuído a qualquer dos componentes do casal, não se confunde com a recusa ao ato sexual, por não querer procriar. Tanto a recusa, quanto a imposição da cópula contra a vontade do cônjuge, com violência física ou moral, justificam o pedido de separação contenciosa. Há, nesse caso, um problema científico a resolver. Nem a tabela dos dias fecundos da mulher, a pílula ou a camisinha e nem mesmo a laqueadura são métodos anticoncepcionais absolutamente seguros. A jurisprudência vai verificar se a recusa -ante a margem de risco- é justificável ou não. Será justificável quando represente perigo sério para a saúde da mulher. Fora dessa hipótese, a recusa será injustificável, permitindo, em tese, a separação contenciosa ou, se acontecer nos primeiros dois anos do casamento, sua anulação.
A assistência oficial à concepção e à contracepção passou a ser garantida como atividade básica do Sistema Único de Saúde, embora sejam vedados o instigamento e a indução à esterilização cirúrgica. Essa é permitida, mediante autorização expressa do interessado, ao médico. A ausência de autorização é apenada com reclusão de um a dois anos. O profissional deve, ainda, propiciar informação sobre riscos, vantagens, desvantagens e eficácia do processo adotado.
O médico tem outra causa de preocupação grave. O paciente de esterilização não autorizada tem direito de indenização por dano moral, na forma prevista pelo Código Civil, nos artigos 159, 1.518 e 1.521, compreendendo até a reparação do prejuízo psicológico, arbitrada pelo juiz.
A lei tem outras normas especiais a serem lembradas. A vasectomia e a laqueadura (ou outro método cirúrgico adotável) devem ser obrigatoriamente informados pelo médico, à autoridade sanitária local. Exigir atestado de esterilização para admissão a emprego é crime. Essa regra, no artigo 18 da lei, decorre do direito especial da mulher, como consequência da gestação.
A esterilização não é processo de controle demográfico. Tem como primeira limitação precípua a vontade individual do interessado, compatível com o interesse geral da sociedade, ante as atuais condições da vida no Brasil. Gera, porém, graves problemas no âmbito das relações do casal, quando seus componentes discordarem sobre a procriação desejada ou repelida. São questões que somente serão resolvidas caso por caso. Nenhuma regra genérica servirá para todas as hipóteses imagináveis.

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