São Paulo, sábado, 1 de junho de 1996
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Galbraith rema contra maré liberal

OSCAR PILAGALLO
EDITOR DE DINHEIRO

Gustavo Franco não deve ter lido nem gostado de "A Sociedade Justa". Guardião do real, o diretor do Banco Central é naturalmente refratário ao argumento de que inflação sob controle não deve ser um fim em si -justamente o ponto central do livro de John Kenneth Galbraith.
Para Galbraith, a inflação passou a ser considerada, pela parte mais influente da sociedade, ameaça central ao desempenho econômico. "O desemprego, nessa visão, tornou-se instrumento de estabilização de preços", diz. Quanto ao desempregado, bem, "sua dor pode ser prontamente tolerada pelos que não o experimentaram".
É assim, com uma ironia destilada no humanismo, que Galbraith marca posição contra a hegemonia do pensamento neoliberal.
Melhor representante da corrente pós-keynesiana, Galbraith vê na hoje execrada intervenção estatal a única maneira de se criar empregos em tempos de estagnação.
Divulgador eficiente que é, seu receituário soa familiar depois de 30 livros publicados. Galbraith é cético em relação aos mecanismos clássicos de estímulo à economia. Reduzir impostos e baixar juros, por exemplo, não seriam medidas suficientes para, em períodos de alto desemprego, inspirar confiança nos consumidores.
Para garantir a demanda, nada melhor do que gastos do governo que gerem empregos e renda, que acabam se transformando em consumo e, portanto, em mais emprego, completando o ciclo virtuoso.
É claro que isso produz déficit -já que a receita de impostos não seria suficiente para bancar a iniciativa- e que déficit leva à inflação. Mas esse é o preço que, em sua visão, a sociedade justa tem que estar disposta a pagar.
É por isso que diretores de bancos centrais prefeririam deixar Galbraith falando sozinho. Aos 87 anos, no entanto, esse professor aposentado de Harvard rejeita o papel romântico e confortável de defensor de causas perdidas.
Ele é pragmático. Reconhece a impossibilidade de se conciliar pleno emprego e preços estáveis e propõe um meio termo para "minimizar o conflito entre ambos".
Mas é quixotesco também. Ao admitir a importância da saúde das contas públicas, questiona, por exemplo, a necessidade das forças armadas, que consomem boa parte dos orçamentos mesmo na ausência de inimigos externos que justifiquem os gastos.
"A Sociedade Justa" é um livro militante, em que o autor -que no governo de seu amigo Kennedy foi embaixador dos Estados Unidos na Índia- exorta o leitor a votar no Partido Democrata na eleição norte-americana deste ano.
Ele não esconde nem sua simpatia pelo voto obrigatório como forma de conter a maré republicana que invadiu o Congresso em 1994.
O contexto político e o panorama econômico dos Estados Unidos, distantes que estão da realidade do Brasil, exigiram uma introdução à edição brasileira.
Nela, Galbraith relativiza a defesa do déficit. No Brasil, diz ele, "não se pode duvidar do perigo da inflação ou de seu destrutivo efeito econômico e social".
A ressalva é importante, mas não diminui a relevância do debate neste quadrante. Ainda mais agora, com a perspectiva de estabilização e aumento do desemprego.
O maior mérito de Galbraith é demonstrar, com prosa elegante e argumentação afiada, que a predominância do mercado sobre o planejamento não significa, como querem os neoliberais, que a história tenha chegado ao fim.

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