São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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Clientelismo pulveriza verbas da União

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O cruzamento do resultado das eleições de 94 com as emendas aprovadas ao Orçamento da União deste ano é a prova de que o clientelismo é prática comum de 300 dos 513 deputados.
O mapa do clientelismo, levantado pela Folha, não deixa dúvida: deputados pulverizam recursos públicos para atender seus "currais eleitorais". O uso dispersivo das verbas é irracional: a cada ano são iniciadas centenas de pequenas obras, sem data marcada para a conclusão.
A pulverização dos recursos -cerca de R$ 600 milhões, sendo R$ 200 milhões destinados a bases eleitorais- fica clara no cruzamento das emendas apresentadas com as aprovadas. Como não há dinheiro para todas as obras, os deputados distribuem cotas de R$ 1 milhão a R$ 1,7 milhão em 5, 6 ou 10 emendas.
Assim, uma obra que exige R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões, acaba recebendo apenas de R$ 100 mil a R$ 150 mil. Nesse ritmo, levaria 20 anos para ser concluída.
Com a verba garantida no Orçamento, os parlamentares, por conta do calendário eleitoral, agora correm aos gabinetes dos ministérios. É para acertar a assinatura de convênios com prefeituras de suas bases eleitorais até 30 de junho -limite fixado pela legislação.
A CEF (Caixa Econômica Federal) e a Secretaria de Política Urbana do Ministério do Planejamento analisam atualmente 5.109 projetos de 1.231 prefeituras, que reivindicam recursos orçamentários para saneamento, infra-estrutura urbana e habitação.
As emendas paroquiais destinam verbas para casas populares, postos de saúde, esgoto, parques, açudes e estradas. A intenção é impressionar o eleitorado -até porque dezenas de deputados são candidatos a prefeito ou apóiam candidatos em seus redutos.
Cidade natal
O perfil clientelista dos deputados acaba reforçando a prática fisiológica. Os parlamentares aprovam projetos do governo em troca de cargos e recursos públicos para ir tocando as obras em suas bases.
Muitos buscam aliar também o atendimento à cidade natal. Dos 150 que mais concentraram recursos, pouco mais da metade (76 deles) fez emendas destinando recursos para a cidade onde nasceu.
O clientelismo é, em parte, consequência da distritalização do voto. A análise da votação de cada deputado por município mostra que cerca de 40% dos parlamentares foram eleitos, na prática, pelo voto distrital.
Eles concentram a sua votação (de 50% a 90% dos votos) em um município ou microrregião.
O relator-geral do Orçamento de 96, deputado Iberê Ferreira (PFL-RN), disse à Folha que tentou eliminar as emendas paroquias em troca de emendas coletivas das bancadas estaduais no Congresso. A iniciativa não teve apoio dos deputados e senadores.
"Nós conseguimos limitar o valor. Lamentavelmente, não conseguimos acabar com as emendas individuais. Houve uma reação muito forte", afirmou Ferreira.
Política assumida
A maioria dos deputados ouvidos pela Folha assume que a distribuição dos recursos é política mesmo. Dizem que os eleitores cobram esse tipo de atuação.
A prática é adotada pelos líderes do governo -Germano Rigotto e Benito Gama- e também pelos líderes dos partidos aliados -José Aníbal e Odelmo Leão.
O PFL e o PSDB, que formam o núcleo do governo, contam com o maior número de deputados clientelistas.
Proporcionalmente, o PDT é o partido mais clientelista. Vinte dos seus 25 deputados aprovaram emendas paroquiais.
O PFL manteve a sua tradição política. Dos seus 98 deputados, 59 aprovaram emendas clientelistas.
O PSDB, partido do presidente Fernando Henrique Cardoso, aderiu aos costumes pefelistas. Numa bancada de 85 deputados, 54 aprovaram emendas desse tipo.
Mesmo sendo o partido menos clientelista, o PT surpreende. Dos seus 50 deputados, 18 apresentaram emendas para atender as bases eleitorais. O partido costuma condenar as emendas paroquiais.
As bancadas mais clientelistas, por Estado, são as do Espírito Santo (80%), Goiás (76,4%), Pará (76,4%), Pernambuco (76%), Tocantins (75%), Sergipe (75%) e Santa Catarina (75%).

LEIA a justificativa dos parlamentares na página 10

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