São Paulo, domingo, 2 de junho de 1996
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O "flâneur"

O "flâneur"
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O "flâneur" é uma personagem da modernidade. O homem que passeia pelas galerias ou passagens de Paris, capital do século 19, a entrever cenas, cartazes, lugares, pessoas, é um arquétipo desse novo tempo em que a explicação encantada do mundo e sua percepção como totalidade em harmonia com a transcendência se estilhaçam de uma vez no mosaico da grande cidade, no vaivém da multidão, no tempo industrial, na razão que desorganiza a religião e coloca o homem diante de sua incômoda liberdade.
"Flâneur" é o herói baudelaireano que Walter Benjamin tão bem pintou em seu mergulho na gênese dessa era que chamamos de moderna.
"Flâneur", também, é o personagem que Fernando Henrique Cardoso parece ter tido prazer em reencarnar agora, um século depois: de Paris, disse o presidente, "o que sinto saudade é disso... flanar".
Saudade que talvez possa ser lida não unicamente no sentido estrito da nostalgia pessoal, da vontade de reaver certos prazeres que o exílio na França, ainda que doloroso, não deixou de propiciar.
Flanar na cidade-luz, para um homem com qualidades, não é simplesmente caminhar pelos bulevares -turista de capote e cartão de crédito em punho.
Mais: é vestir a cidade e seu passado, contaminar-se pela atmosfera do lugar que inaugura o mundo novo que conhecemos e sentir-se, ali, parte da grande história das luzes, da revolução, da cultura.
Fantasia breve, porém, que se espatifa como porcelana na realidade implacável do poder periférico, na mediocridade torturante de uma política que dos ideais de 1789 nada guarda senão uma pálida retórica de terceira mão.
E esse espelho torto, aqui no fim do mundo, a refletir sua miserável bizarrice, as panças dos coronéis, os esqueletos dos vassalos.
"Le lion est le roi des animaux". Ou seja: o leão ia urrar e desanimou.
*
Enquanto isso, no patropi, tudo como sempre: o aliado nacional é o inimigo estadual e o adversário municipal. Partidos não são nada, alianças são conveniências de momento, valem mais minutos na TV do que idéias na cabeça.
E o Congresso, pobrezinho, tão ofendido. Chega a dar dó.
*
E lá deu o Bibi. Fon-fon para a direita.
Guerra é guerra.

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